A esta altura, você já sabe. Michael Storer (DSM) venceu novamente na Vuelta e em um ataque solo, na “fuga de la fuga”. O Australiano de 24 anos soma, agora, 4 vitórias na temporada e é responsável por mais da metade das vitórias de sua equipe, a DSM (que o perderá para a FDJ a partir de 2022). Mas o que você talvez não saiba é que para vencer desta maneira e mais de uma vez, inclusive, é preciso estratégia, força extrema e um bom relacionamento com os rivais. Sim, no microcosmo do ciclismo profissional, até a diplomacia conta para definir os vencedores. Não entendeu? Calma, vamos por partes.

O nascimento de uma fuga

Existem diversos fatores que podem incentivar ou desmotivar uma fuga. Em dias planos, onde há baixa probabilidade de vitória, o normal é que apenas ciclistas de equipes convidadas se aventurem na fuga. Como as equipes de sprinters geralmente controlam com rédea curta o pelotão e sem um percurso que favoreça a pequenos grupos, poucos atletas formam um trio ou quarteto com o único intuito de receber tempo de TV e assim, exibir o patrocinador da equipe.

A fuga (Luis Angel Gomez / Photogomezspo)

Em dias de montanha ou, principalmente, com subidas que quebram o pelotão, o número de atletas que tenta ir ao ataque é enorme e esse processo torna-se extremamente nervoso. Não é como se o pelotão permitisse qualquer um a ganhar minutos de vantagem. Aí, a fuga vira um jogo de gato e rato, onde o pelotão tenta controlar quem irá à frente. É preciso evitar que ciclistas favoritos à Classificação Geral escapem e, assim, ganhem tempo na briga pela Camisa de Líder. Também é imprescindível controlar o tamanho da fuga ou pode formar-se um segundo pelotão e aí, a vantagem de tempo tornar-se gigante.

Hoje, por exemplo, era uma etapa de 189 km com uma montanha categorizada de 10 kms com topo a 16 kms da meta. Terreno perfeito para uma vitória no ataque. E todos sabiam disso. A briga pela fuga foi uma verdadeira guerra com múltiplos ataques e perseguições. Diversos atletas tentaram entrar na fuga, entre eles, Richard Carapaz (Ineos Grenadiers), por exemplo. Foi uma dura batalha que durou cerca de 80 km e com 50 Km/h de velocidade média.

Richard Carapaz tentou entrar na fuga de hoje (Luis Angel Gomez / Photogomezspo)

Finalmente, o pelotão cedeu e um forte grupo com 30 ciclistas escapou. A Jumbo Visma, equipe do líder Primoz Roglič, não tinha interesse em manter a Camisa Vermelha, para poder descansar nos próximos dias sem ter a responsabilidade de controlar a corrida. Na fuga, Odd Christian Eiking (Intermarché) e Guillaume Martin (Cofidis) eram os melhores posicionados na classificação geral (ambos a cerca de +9 min) e disputariam entre si a chance de liderar a Vuelta.

Navegando na “cabeza de carrera”

Após conquistar o direito de escapar e manter-se na frente, o ciclista tem que saber portar-se na fuga. Apesar da maioria ter o mesmo objetivo (vencer a etapa), a primeira necessidade de todos é construir uma vantagem confortável para garantir a vitória à frente do pelotão. É comum ver ciclistas de equipes diferentes trabalhando juntos e até dividindo suprimentos nessa segunda fase da prova. Um rival futuro pode ser aliado de ocasião. No final, será cada um por si, mas antes, todos precisam colaborar. Aí é onde o ciclista tem que saber equilibrar as forças para poder ajudar mas não se desgastar mais que o necessário.

(Luis Angel Gomez / Photogomezspo)

Porém, não adianta só fingir e tentar ficar de roda. Se os rivais perceberem alguém se beneficiando sem contribuir, podem tornar seu objetivo sabotar o espertinho. A ética da fuga é dividir o trabalho. Os times que colocam mais ciclistas na fuga acabam tendo dupla jornada neste sentido. Podem ficar com a responsabilidade de liderar o grupo pela vantagem numérica, mas tem a chance de deixar um líder preservando forças para a parte final.

A DSM tinha a força em números, assim como a UAE e COFIDIS, portanto, carregavam a fuga. Atrás, a Jumbo cruzava o percurso com tranquilidade e a distância para o grupo de líderes aumentava progressivamente.

A reta final e o timing perfeito para atacar

Os últimos trechos de prova seguiram o roteiro de provas clássicas: o mais forte (e esperto) sobrevive para conquistar a glória. As acelerações começaram com Matteo Trentin (UAE) que além de estar em boa forma, tinha o colega de equipe Rui Oliveira, também na fuga. Trentin foi acompanhado por Aranburu (Astana-Premier Tech), Jesus Herrada (Cofidis) e Floris de Tier (Alpecin-Fenix).

Os quatro da ponta mantiveram uma vantagem curta e depois foram alcançados pelo resto da fuga, que se quebrou em vários grupos. Ao alcançarem a subida final, Rui Oliveira foi o primeiro a lançar um ataque, na parte mais suave da escalada. Kenny Elissonde (Trek Segafredo) tentou buscar e seguiram-se vários ataques. Bagioli e Vansevenant, ambos da Quickstep, tentaram escapar também, mas quem conseguiu foi mesmo Michael Storer, que esperou até a parte mais inclinada e aí, não teve rivais. O Australiano mostrou que a vitória em Balcón de Alicante não foi acaso,passou em primeiro no topo de Puerto de Almachar e desceu com tudo para a vitória. A segunda em grandes voltas para ele e para a DSM em 2021.

Ainda na fuga, Eiking e Martin se atacaram para ver quem vestiria a Camisa Vermelha, com o Dinamarquês da Intermarché levando a melhor e a equipe Belga tendo o privilégio de liderar novamente a corrida.

No grupo dos favoritos, a Jumbo ia ficando sem gregários, quando a Movistar tomou a ponta e decidiu acelerar, Roglič, então, antecipou os rivais e atacou sozinho, abrindo vantagem enquanto os adversários não decidiam quem lideraria a busca. Bernal e Yates (Ineos Grenadiers) ficaram para trás enquanto que Jack Haig (Bahrain-Victorious), Miguel Ángel López e Enric Mas (ambos Movistar) perseguiam o esloveno.

Primoz Roglic (Luis Angel Gomez / Photogomezspo)

Roglič chegou ao topo com 30 segundos de vantagem para o trio que o perseguia e cerca de um minuto para o grupo com os ciclistas da Ineos. Na descida, o líder arriscou nas curvas e acabou levando um tombo. Um erro similar ao que cometeu no Giro 2019, quando também caiu em uma descida. Sem grandes machucados, levantou imediatamente, mas foi alcançado pelo trio com os ciclistas da Movistar. A partir daí, o quarteto com Haig, Mas, Lopez e Roglič andou junto até a meta, quando cruzou cerca de 40 segundos à frente dos rivais.

Os quatro ciclistas, não por acaso, eram os 4 melhores da Classificação Geral e solidificaram as posições, aumentando a vantagem para o ex-quinto lugar Egan Bernal. Guillaume Martin e Odd Christian Eiking com a vantagem da fuga, pularam para os dois primeiros lugares, com Eiking sendo o novo líder.

O Norueguês Odd Christian Eiking é o novo líder (Luis Angel Gomez / Photogomezspo)

Próxima Etapa 11

Antequera > Valdepeñas de Jaén
133,6 km – Média montanha (2647 m)

A Vuelta segue para a segunda semana e sem sinais de desacelerar. Amanhã mais uma etapa com cara de fuga e cheia de armadilhas para o pelotão! Subida íngreme popular na Vuelta. Uma rota sinuosa que atravessa as províncias de Málaga, Córdoba e Jaén, com um terreno de quebrar pernas onde o calor pode ser um fator determinante. A chegada será muito dura, com inclinações de mais de 20% no quilômetro final.


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