Aceleração no Kwaremont, um grupo reduzido se forma e rodam até o Paterberg. Na mítica colina, nova disputa e destacam-se dois. Quase um, na verdade, mas quem vencerá, se segura atrás de quem perderá no sprint. Parece até roteirizado, coisa de cinema, mas assim podemos definir ambas as corridas em Flanders, vencidas por Mathieu Van der Poel (Alpecin-Fenix) e Lotte Kopecky (SDWorx). O Holandês chega à sua quarta participação com duas vitórias e um segundo lugar enquanto que a Belga, depois de um pódio em 2020 e da vitória na Strade Bianche este ano, conquista a maior vitória da carreira, ostentando a Camisa de Campeã Nacional, frente a seus compatriotas. Ambos mudam de patamar em suas carreiras.
Van der Poel e Lotte Kopecky sobem de patamar
Van der Poel consagra-se como um dos maiores classicômanos da sua geração e o principal candidato à vitórias em Flanders, enquanto que Kopecky passa de promessa a realidade, uma ciclista de altíssimo nível, natural do país-berço de alguns dos maiores ciclistas de todos os tempos, mas que sofre de representação em meio ao pelotão feminino. Quem brilha em Flanders não o faz por acidente, precisa ter categoria e capacidades acima da média.
10ª Monumento de Mathieu, nove vezes no #Top10
Entre os homens, durante os últimos três anos, temos uma constante: dois ciclistas chegam escapados à linha de chegada e um deles é Mathieu Van der Poel. Como um raio, ou melhor, uma tempestade que costuma assolar os paralelos e colinas Belgas, o neto de Poulidor acumula 2 vitórias, um vice e um quarto lugar em quatro participações. Indo ainda mais longe, esta foi a 10ª monumento que Mathieu correu em toda sua carreira. Em 9 delas esteve no Top 10. Em metade, no pódio. E Flanders é a vítima favorita do ciclista para qualquer terreno. Venceu duas, uma à frente do arquirrival Wout Van Aert (Jumbo-Visma), ausente neste ano por Covid e no domingo, à frente do Canibal Esloveno ou Serial Killer descabelado Tadej Pogacar (UAE Team).
Tadej e Van der Poel protagonizaram uma briga para a eternidade. O Esloveno, estreante na prova, fez da vida do rival um inferno. Atacou em diversas colinas nos trechos finais e foi quem definiu a corrida. Restando 55 Km para o fim, acelerou e juntou-se à fuga. Kasper Asgreen (Quickstep) marcou e Van der Poel, que estava mais atrás, começou a perseguir. Os grupos se juntaram e passaram pelo Paterberg. Diversos ataques, no grupo principal, novamente Pogacar acelerando. A cada mudança de ritmo do Esloveno, os rivais diminuíam no grupo. Como uma grande peneira, só os mais fortes eram selecionados para continuar a brigar pela vitória. Um grupo de cinco formou-se: Pogacar, Van der Poel, Valentin Madouas (FDJ), Dylan Van Baarle (Ineos) e Fred Wright (Bahrain-Victorious). Já nos últimos 20 Km, na última passagem no Kwaremont, outra aceleração de Pogacar. Van Baarle e Wright ficam para trás logo no começo. Madouas se segura como pode mas não resiste ao topo da colina. Sobram os dois principais monstros. O Holandês e o Esloveno. O Paterberg se aproxima. Ambos sabem que esse momento pode ser definitivo. Van der Poel, mais pesado, precisa resistir. Pogacar, mais leve, mas com menos potência ao sprint, precisa atacar.
😳 Po-ga-car! Wow!!! #RVV22 https://t.co/COK1Oh5mhu
— BikeBlz (@BikeBlz) April 3, 2022
Como fez por diversas vezes até ali, o ciclista da UAE acelera. Sentado, sem sair do selim, mas agarrando as alavancas de freio e marcha e acelerando sentado, uma troca de cadência, aumento de giro.
Van der Poel responde ao mínimo movimento, mas parece hesitar. Uma brecha entre os dois se abre. A camisa da Alpecin-Fenix balança para a direita como quem faz zigue-zague. Será possível? O tetra-campeão mundial de cyclocross, multi-campeão de Mountain Bike e monstro na estrada perdeu a tração? Não tem forças pra acompanhar o bi-campeão do Tour de France
Aqui foi o momento em que a história passou perto de ter um final diferente. Daqui em diante, o destino estava selado#rvv2022 pic.twitter.com/0sx1mWRYy0
— Allan Almeida (@AllanAlmeiida) April 4, 2022
Como coisa tirada de um conto, Mathieu caçava um trecho mais liso para apoiar a roda dianteira, ele sacode-se de volta para a esquerda e acelera para alcançar Tadej. Estavam reunidos novamente e assim seria até a chegada em Oudernaarde.
Por 10 Km, o suspense se fez. Seria possível que contra todos os prognósticos, Pogacar nos surpreenderia novamente e venceria um titã como Van der Poel no sprint? E o Holandês, faria como em 2020, quando venceu o arquirrival ou repetiria 2021 e perderia, como foi contra Asgreen? A beleza de uma Monumento é que nada é simples depois de mais de 250 quilômetros e inúmeras subidas somadas a trechos de paralelo.
O óbvio é menos cristalino e mais complexo.
É muito mais tático e estratégico que força bruta. Mas Van der Poel sabia disso. Ele esteve do lado derrotado no ano passado. E tal como qualquer grande campeão que passa por uma derrota, certamente repassou o sprint contra Kasper Asgreen diversas vezes, mentalmente. Ele sabia o que fazer. Pogacar, não. Mathieu posicionou-se à direita da via, junto às placas de proteção, fechando o canto. Pogacar estava atrás, marcando. O grupo formado por Van Baarle e Madouas se aproximava deles na reta final enquanto os dois da frente se olhavam e olhavam para trás, para ver os rivais. A dupla de perseguidores se aproximava como um trem-bala em alta velocidade e a dupla dianteira quase parada, se marcando, se olhando. Como um duelo de faroeste, onde quem saca primeiro a arma, vence. Quem erra o timing, cai atirado ao chão. No momento em que Van Barle e Madouas iriam alcançá-los, Van der Poel disparou. Pogacar, mal posicionado, acabou ficando encaixotado e foi ultrapassado pelos dois. Terminou em quarto.
Que chegada e que bobeira de Tadej Pogacar. Mathieu Van Der Poel @mathieuvdpoel (@AlpecinFenix) vence o Tour de Flandres 2022 https://t.co/cl3lzjiPww
— BikeBlz (@BikeBlz) April 3, 2022
Como explicar? Como explicar que o quarto lugar foi o único capaz de vencer o campeão, enquanto os outros do pódio nunca tiveram a menor chance? Isso é Ciclismo. Isso é uma Monumento. É Flanders.
A prova Feminina
A prova das meninas foi disputada após a dos homens e viu mais um capítulo de guerra entre Annemiek Van Vleuten (Movistar) x Lotte Kopecky e SD Worx. Enquanto Annemiek venceu a Omloop frente à Demi Vollering (SD Worx), Kopecky venceu a Holandesa na Strade Bianche. E, se na corrida italiana, a Belga dependeu mais das próprias forças para vencer, aqui o trabalho de equipe facilitou muito a vida, contra uma das maiores ciclistas de todos os tempos.
A Trek tentou acelerar a corrida a 70 Km do fim com Lucinda Brand, mas o pelotão manteve sob controle com um grupo de 5 atletas escapado. Já nos 40 quilômetros finais, a frente de prova foi capturada e nova fuga se formou após passagem no Taaienberg, um grupo perigoso mas que nunca recebeu muita vantagem. As últimas passagens no combo Kwaremont e Paterberg viram Annemiek Van Vleuten lutando para largar as rivais e a SD Worx trabalhando para frustrar seus planos. Com ataques alternados de Marlen Reusser e Chantal Blaak, a equipe de Kopecky fez Van Vleuten se desgastar. Especialmente após a última passagem no Paterberg, que viu Blaak escapar solo e Van Vleuten atacar enquanto a campeã Belga não largava sua roda. Nos quilômetros seguintes, Van Vleuten buscou a Holandesa da equipe rival e as três chegaram juntas a Oudenaarde. Na reta final, Blaak liderou, Van Vleuten largou atrás e à frente de Lotte Kopecky.
Duas holandesas contra a prata-da-casa. Duas ex-campeãs mundiais e campeãs de Flanders. Annemiek buscava o Tri, Blaak queria o segundo título, mas as duas terão que esperar. O ano é de Lotte Kopecky. Venceu com brilho e ostentando a Camisa de Campeã Nacional frente a seu povo. Os Belgas que choraram a ausência de Wout Van Aert disputando entre os homens, puderam se alegrar. Eles têm Kopecky. E ela, de agora em diante, terá Flanders e toda a Bélgica, quem sabe até o Mundo. Mas isso, só saberemos daqui a alguns meses. Por enquanto, ela tem Flanders e isso é mais do que suficiente. Para ela e para a Bélgica. Nasce uma heroína monumental.
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Os comentários sobre as provas e dicas de velogames, além, é claro, da música-tema deste ano que foi a torcida de Stefan Küng, você encontra no Taco-Papo edição número 9, com apresentação do Davide Gomes e participação de Adriana Nogueira e Edwin Contreras. Uma edição pra lá de especial, Monumental, eu diria.
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— BikeBlz (@BikeBlz) April 3, 2022
Fotos: Flandres Classics