O Governo de SP anunciou na última quinta-feira (10), um projeto para a construção da “primeira ciclovia de longa distância em rodovia no Brasil”. De antemão, achamos que essa seria uma ótima notícia. Em uma cidade tão grande como São Paulo, toda e qualquer projeto de ampliação da sua rede viária envolvendo outros modais e não apenas os carros e nesse caso, a bicicleta, nosso grande assunto por aqui, é sempre bem vindo, mas olhando mais a fundo e aqui com os comentários feitos pelo Daniel Guth, Diretor Executivo da Aliança Bike e Pesquisador em políticas de mobilidade urbana, além de Mestre em urbanismo pelo PROURB/UFRJ, traz para gente importantes pontos a serem observados nesse projeto, que no fundo parece mais uma ação de marketing, do que realmente um propósito.
Segundo reportagem do Olhar Olímpico, assinada por Demétrio Vecchioli, o órgão consultivo do governo de São Paulo para políticas públicas de ciclismo não foi sequer consultado pela gestão estadual sobre a ideia de se construir a ciclovia no canteiro central na Rodovia dos Bandeirantes, entre São Paulo e Itupeva.
Comentários sobre o projeto da ciclovia, por Daniel Guth*:
Garantir segurança numa rodovia violenta como essa é PRIORIDADE, então nesse aspecto o governo acerta. Porém, como nem só de marketing vivem as políticas públicas, vamos aos problemas:
1) Ciclovias de canteiro central devem ser exceção e não regra. São comuns pq é o espaço q sobrou e ainda não foi ocupado por carros, mas vários problemas surgem: como as pessoas vão acessar a ciclovia? Como sairão dela? Como fica a segurança já q ciclistas ficarão encurralados?
2) Alguém noticiou q serão feitas 7 passarelas. Oras, isso dá +8km entre passarelas. Na prática, ciclistas como meio de transportes vão preferir continuar no acostamento. Corre-se o risco de ter q pedalar 16km adicionais só pra atravessar a rodovia.
3) O projeto está mimetizando a ciclovia do Rio Pinheiros, só q em contextos, locais e características diferentes. Uma coisa é curtir (mesmo q treinando) às margens de um rio DENTRO da cidade. Outra é estar encurralado entre faixas de uma mega rodovia em local árido.
4) O projeto claramente está desenhado pro ciclismo de estrada. Óbvio q estes ciclistas PRECISAM de uma boa infraestrutura, mas a demanda é urgente p/ TODOS OS USOS (mobilidade, turismo, logística, etc). Não atender outros usos é um erro grave. Ainda mais numa rodovia violentíssima.
5) Porquê lançar esse projeto a menos de 1 mês de se licenciar do governo estadual, depois de ter ficado mais de 3 anos no cargo e não ter feito NENHUMA ciclovia? O nome disso a gente sabe.
6) O Governo de SP tem um histórico de VÁRIAS ciclovias anunciadas e nunca realizadas. Segue um exemplo: Ciclovia na região metropolitana (anunciada em 2012), ligando Mogi, Guarulhos, Poá, Ferraz de Vasconcelos e Suzano. Era pra 2014. (Risos)
7) Li em alguma matéria q a ciclovia terá “controle de acesso”. Isso significa o que? Horário de funcionamento? Revista? Sendo uma estrutura em uma rodovia, ela deve seguir o Código de Trânsito Brasileiro. Controle de acesso é claramente uma afronta ao uso público.
8) Por fim, outras questões pontuais não menos importantes:
a) Se construída, a Autoban vai limpar a ciclovia todos os dias? Isso porque todo lixo da rodovia vai se acumular ali – pedaços de pneus, garrafas, farelo de asfalto.
b) Terá iluminação?
c) Se alguém tiver um problema mecânico e precisar ser resgatado de veículo motorizado, ela só sairá da ciclovia num helicóptero?
d) Caso aconteça uma queda, como o atendimento médico chega na ciclovia? Voando? As passarelas comportarão.
9) Final: rodovias não têm acesso direto ao lote, o q significa q não é complexo fazer uma ciclovia segregada na margem direita. Existe um movimento MARAVILHOSO na Europa chamado CHIPS (“Cycle Highways”), com cadernos técnicos impecáveis. É ler e adaptar.
* Comentários originalmente publicados em um fio no Twitter do Daniel Guth.
Não existem ciclovias em canteiros centrais de rodovias na Alemanha
Claro que aqui não se quer fazer qualquer comparação com realidades tão diferentes, entre países tão distintos, mas a Alemanha é reconhecidamente uma autoridade quando o assunto é mobilidade e infraestrutura viária. Sua enorme rede de transportes, interligados com todos os modais possíveis (avião, carro, trem, ônibus, ferryboats, embarcaç˜ões, bicicletas e a pé) tornam o país um dos mais conectados do mundo, quando o assunto é transporte e mobilidade.
Outra façanha do país das batatas é que eles são mestres da engenharia! E neste quesito, as Autobahns, como são chamadas as suas rodovias na Alemanha, são verdadeiros tapetes e obras-primas da engenharia rodoviária mundial. E este editor, que há 3 anos mora no País, afirma sem medo de errar, que não existem ciclovias em meio as pistas de qualquer rodovia alemã! Aliás, é proibido trafegar de bicicleta por elas. Mas isso ao mesmo tempo, também não se faz necessário, pois muitas cidades e consequentemente o País inteiro, possui uma extensa estrutura viária para o tráfego de bicicletas, que é capaz de te levar a praticamente a qualquer lugar sem compartilhar do mesmo espaço do carro quase nunca. Em Berlim por exemplo, existe a Kronprinzessinnenweg, que margeia por uns 15 km a Autobahn de saída da cidade, em uma estrutura completamente separada e segura para os ciclistas. Veja o tweet com fotos abaixo:
Essa aqui é a Kronprinzessinnenweg em Berlim, que pedalo aos sábados. Você pode ver ao lado a Autobahn. A ciclovia é paralela a Rodovia. Na segunda foto, o mesmo lugar, em um dia cheio. Observe que não tem apenas ciclistas de estrada e tb o mapa do local. pic.twitter.com/1giuJDjQwa
— BikeBlz (@BikeBlz) March 10, 2022
Mapa das ciclo-rotas alemãs
As ciclo-rotas alemãs permitem você literalmente viajar pelo país de bicicleta em total segurança. Este mapa é da ADFC, entidade civil que atua como representante dos interesses dos ciclistas e desta parte da sociedade, junto ao poder público. Já falamos deles aqui nesta matéria.
Nota do Governo de São Paulo:
O Governador João Doria lançou nesta quinta-feira (10) o projeto da primeira ciclovia de longa distância em rodovia no Brasil, a Ciclovia dos Bandeirantes, na Rodovia dos Bandeirantes. Localizada entre São Paulo e Itupeva, a nova ciclovia ligará a capital paulista ao recém-lançado Distrito Turístico Serra Azul, em Itupeva, com aproximadamente 57 quilômetros de extensão. Na ocasião, Doria também autorizou a destinação de R$ 4,2 milhões para obras de pavimentação asfáltica da Rodovia Waldomiro Bertassi e de melhorias na infraestrutura urbana de Itupeva.
São Paulo vai ganhar a maior e mais completa ciclovia do Brasil, com a geração de mil empregos diretos durante a sua implantação. Uma grande opção para o esporte, para o lazer e para a mobilidade”, afirmou o Governador.
A execução das obras da nova ciclovia ficará a cargo da concessionária CCR AutoBan, integrante do Programa de Concessões Rodoviárias, sob regulação da ARTESP – Agência de Transporte do Estado de São Paulo. O objetivo da iniciativa é melhorar a mobilidade entre a Região Metropolitana de São Paulo, Região Metropolitana de Jundiaí e demais municípios às margens das rodovias Bandeirantes e Anhanguera, permitindo a utilização – com melhores condições de segurança – da bicicleta em deslocamentos de trabalho, esporte, lazer e turismo.
Falaremos mais sobre esse assunto no próximo #TacoPapo
O próximo #TacoPapo que acontece neste domingo (13) irá trazer ainda mais detalhes e opiniões sobre este assunto, com a participação especial do Daniel Guth, Diretor Executivo da Aliança Bike, para comentar e discutir com a gente sobre este projeto de se construir uma ciclovia no canteiro central da Rodovia dos Bandeirantes.
No mesmo programa, receberemos também o locutor e comentárista Sidney White, o Bacana, para participar com a gente de outro tema: o documentário da Netflix dentro do Tour de France. E queremos contar com você também nestes papos. Envie suas perguntas através das nossas redes sociais utilizando a hashtag #TacoPapo e não perca este próximo episódio AO VIVO! No Youtube, no Twitter, Instagram, no Twitch, no Facebook e também no Spotify!