Talvez você ache que esse título é frase de coach. A bem da verdade, essas “máximas” otimistas ficaram saturadas devido ao uso indiscriminado por pessoas que queriam vender cursos e palestras motivacionais.

Mas soluções mágicas à parte, é fato que em uma prova de contrarrelógio, quando você está solo na pista, ouvindo nada mais que seus batimentos cardíacos, o som da corrente passando por entre as engrenagens e do vento que te cerca, a mente pode pregar peças. Como poderia ter sido quando Ellen Van Dijk (Holanda) cruzou a pista em Brugge, neste Mundial de contrarrelógio. A Holandesa vestiu a arco-íris no contrarrelógio em 2013, aos 26 anos. Nada mal para uma ciclista jovem ser Campeã Mundial, mas em 2021 aos 34 anos, apesar de alguns bons resultados no início do ano, como no Tour da Bélgica, Healthy Ageing Tour e até uma etapa no Giro d’Italia, a segunda metade da temporada foi de quases para a ciclista da Trek.

Segundo lugar nas duas cronos do Simac Ladies Tour, ela acabou ficando em 3° na Classificação Geral. Nada mal, mas não eram vitórias e, sendo Holandesa, há uma sombra gigante das três lendas do ciclismo feminino holandês: Marianne Vos, Anna Van der Breggen e Annemiek Van Vleuten. Portanto, apesar de ser uma grande ciclista também e já ter um título mundial, os questionamentos internos começam a acontecer.

No Campeonato Europeu, uma prova plana que favorecia as suas características e um excelente resultado, mas que lhe rendeu apenas a prata. Novamente atrás de Marlen Reusser, a Suíça que tem sido a sensação da temporada, após a conquistar a prata nas Olimpíadas de Tóquio, o vice-campeonato na Classificação Geral do Simac Ladies Tour e a versão feminina da Vuelta, o Ceratizit Challenge.

Van Dijk se sentia bem, mas as rivais pareciam melhores. Na prova de estrada, enfim, a consagração. Talvez a menos provável das Holandesas para vencer, ela sabia que precisava atacar de longe e o fez. Saiu em uma fuga precoce e manteve-se sozinha à frente. Rodou os últimos quilômetros completamente solitária, como se fosse uma crono, sua especialidade e cruzou a linha de chegada em primeiro, uma vitória emocionante e a confirmação da grande ciclista que é. Finalmente um título e uma camisa para chamar de sua depois de tanto tempo.

Neste Mundial, foi selecionada para a crono, depois de algumas ausências, pois a atual Campeã e companheira de seleção, Anna Van der Breggen, decidiu não correr a prova pois irá se aposentar no fim do ano. Com duas medalhas no Europeu, Van Dijk agora sabia: ela era capaz. Mas para bater a fortíssima Reusser, precisava dar tudo de si. E foi o que fez. No longo e plano circuito de 30,3 quilômetros, ela estabeleceu um tempo de 36’05”. Uma estonteante velocidade média de 50,3 km/h. A maior da história em todos os Mundiais de Crono da Elite Feminina. Um tempo que provavelmente lhe garantiria uma medalha. Mas talvez não o título.

Por ter largado mais cedo, as rivais, incluindo a principal delas, sairiam depois para a prova. Então coube à líder provisória assistir tudo desde o hot seat (o assento onde os mais rápidos ficam durante as cronos até seus tempos serem batidos ou até o fim da etapa). Apesar de bons resultados, ninguém ameaçou o tempo da Holandesa. Até Marlen Reusser largar. A Suíça passou como uma moto. Primeira parcial: melhor tempo, 4 segundos mais veloz que Van Dijk. Segunda parcial, novamente Reusser mais veloz. Desta vez apenas 3 segundos. Van Dijk parecia não acreditar. Mesmo fazendo o seu melhor, mesmo dando tudo de si, a rival batia seus tempos. Talvez não fosse mesmo para ser. As dúvidas, silenciadas após a vitória no Europeu, começavam a brotar novamente na cabeça. Marlen Reusser cruzou a meta com uma velocidade média maior que de todas as outras edições de contrarrelógio feminino. Mas apenas a segunda melhor deste ano: 50,1km/h. 10 segundos mais lenta que Van Dijk, a nova Campeã do Mundo, outra vez, 8 anos após seu primeiro título.

Pódio ITT Feminino Elite (Facebook UCI/SWpics)

Annemiek Van Vleuten foi a última na pista e registrou um excelente terceiro lugar, muito melhor que as expectativas para um circuito que não favorecia suas características. Após a corrida, Van Dijk desabou na entrevista:

Ellen Van Dijk, bi-campeã mundial de crono

“Não sabia que ficaria tão emotiva, mas foi um sonho por tanto tempo, conquistar esse título mundial novamente. Esse ano tudo pareceu tão bom, mas sempre tinha essa Marlen Reusser tão, tão forte esse ano e eu sabia que estava em excelente nível, mas ela estava muito forte e me venceu em todos os contrarrelógios nas últimas semanas. Então sabia que seria difícil e precisava fazer a melhor crono da minha vida. Corri muito antes e não tinha noção do tempo das outras. Quando ela largou, fez o melhor tempo na parcial, então pensei ‘é isso, ela vai ganhar de novo’ mas então, vi que ela perdeu segundos no fim e não pude acreditar”

O título mundial consagra a grande temporada da Holandesa, que vestirá a Camisa Arco-íris nas cronos do próximo ano e a Camisa de Campeã Européia nas provas de Estrada. Um título levou ao outro, não por desempenho físico, mas por fortaleza mental. Preparo físico, experiência, tática, tudo contou, mas o início da vitória foi acreditar. Crendo que era possível, foi lá e fez. Chapeau, Ellen Van Dijk, que as dúvidas não te freiem nunca mais.

Capa: Facebook UCI/SWpics

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