O que será que é preciso para uma atleta feminina se destacar no esporte? Mesmo que ela supere marcas, ganhe mais corridas, taças e medalhas, cruze a linha final em primeiro, vai sempre parecer que o caminho é mais longo e mais difícil para ganharem reconhecimento neste ‘mundo dos homens’. O que será que falta?
Imagine então ganhar em um ano de calendário apertado, a Semana Ciclística Valenciana antes do lockdown, o título de Campeão Europeu de Time Trial e o título Nacional de Estrada. Garantir pela 3ª vez o Giro Rosa e pela 6ª vez a Flèche Wallone. Para completar, faturar ainda o Mundial de Time Trial e o Mundial de Estrada em feito raro. Tá bom? Será que assim dá pra ser escolhido como o melhor ciclista do ano? Parece que não. Apesar destas conquistas, a holandesa Anna van der Breggen ficou apenas na 5ª colocação (22 pts) no Vélo d’Or que escolheu Primoz Roglic como o melhor ciclista de 2020. Criado em 1992 pela revista francesa Vélo Magazine, o concurso premia anualmente o que considera ser o melhor ciclista da temporada.
O esloveno Primoz Roglic (83 pts), que ganhou a Vuelta da Espanha, a Liège–Bastogne–Liège, o Tour de l’Ain, o Nacional Esloveno e foi 2º no Tour de France, acabou na primeira colocação com 83 pts. Veja como ficou o #Top5 da lista:
1. Roglic, 83 pts
2. Pogacar, 57 pts
3. Van Aert, 53 pts
4. Alaphilippe, 43 pts
5. Van der Breggen, 22 pts
Alaphilippe ganhou o Velo D’Or de melhor ciclista francês e nos últimos dez anos, essa é a oitava vez que o prêmio não é entregue ao campeão do Tour de France, conquistado pelo esloveno Tadej Pogačar. Pior para o Tour, mas muito pior para o ciclismo mundial ao não dar maior destaque a incrível performance de Anna van der Breggen na temporada. A holandesa reinou absoluta no que ela considerou ‘os meses mais especiais de toda a sua carreira’ em entrevista para a ProCycling ao destacar tantas vitórias em tão curto espaço de tempo.
A ‘surpresa’ na conquista do mundial de TT, que nunca foi a sua especialidade e pela qual sempre teve uma relação de amor e ódio, só foi superada por conta do lockdown. Na Holanda, as atividades ao ar livre não foram cerceadas, mas era proibido treinar em grupo. Ela então achou que seria uma ótima oportunidade para aprimorar sua técnica. Treinando com as orientações do seu namorado Sierk-Jan Haan, que é diretor esportivo da Jumbo-Visma, encarou o desafio com treinos de até 130km e 4 horas por dia na companhia de alguns ciclistas da equipe das ‘abelhas assassinas’ (mantendo o distanciamento) e isso acabou sendo de grande incentivo para todos.
Em Agosto, ela bateu a ‘ET’, Annemiek van Vleuten no seu primeiro título nacional holandês e dois dias depois, ganhou o Europeu de TT, batendo em 31 segundos, Ellen van Dijk que defendia o título.
Essas conquistas deram ainda mais confiança para ganhar semanas depois e pela 3ª vez, o Giro Rosa e depois o título mundial de TT, onde a sua maior adversária, a americana Chloé Dygert acabou se machucando seriamente em uma curva. No dia seguinte, acabou de vez com o pelotão, com um ataque há 40 km da meta e colocando 1m20s à frente de Van Vleuten e Elisa Longo Borghini. Anna escreveu assim, mais uma vez, o seu nome na história ao se tornar a segunda atleta a ganhar os dois títulos mundiais no mesmo ano. Jeannie Longo foi a primeira a completar essa façanha em 1995.
Anne van der Breggen possui agora 53 vitórias na carreira e faz parte do quinteto estelar do pelotão feminino holandês e mundial, formado por Marianne Vos (285 vitórias), Kirsten Wild (111 vitórias), Anniemiek Van Vleuten (73 vitórias) e Ellen Van Dijk (49 vitórias). Para ela, correr com as duas camisas arco-íris em 2021 é um sonho e o seu foco agora será as Olimpíadas de Tóquio, onde é a atual campeã olímpica (Rio 2016) no ciclismo de estrada. Será que ela vem forte? Eu não tenho dúvidas. Espero que o Vélo d’Or 2021 esteja de olho também desta vez.
Foto capa: boelsdolmanscyclingteam.com