Se está sendo difícil para você passar por esta pandemia, imagina para um ciclista profissional que teve que se limitar a treinar no rolo em casa, assim como vários de nós e não ter nenhum calendário de corrida previsto pela frente? Esse foi o papo que tive o prazer mais uma vez de bater com meu ‘buddy’ Marco Haller, ciclista agora da Bahrain Mclaren e ele conta tudo pra gente aqui como foram esses dias duros que todos nós estamos passando. Confira!

Abaixo você confere a transcrição da entrevista:

Sim! Agora estou filmando.

Legal, parece perfeito!

Tudo bem?! (em alemão)
Ahhh…eu estou indo bem…tô indo bem…aproveitando esse tempo em casa. Mas obviamente com alguma coisa faltando, como o nosso pequeno mundo do ciclismo um pouco.

É…posso imaginar. Talvez ficar tanto em casa não é algo comum para um ciclista…
Definitivamente não é normal. Tem sua vantagens, mas também suas desvantagens. Mas estamos tentando tirar o máximo proveito disso.

Sim, com certeza! Bem cara, muito obrigado por esta entrevista. É realmente muito bom falar com você de novo. Bem…a vida aqui…claro em Berlim, eu acho que está voltando para o ‘novo normal’…
Sim!

Mas as a pessoas claro, estão usando máscara e tudo mais…
É estranho, né?

Sim! Um tempo completamente estranho…
Eu acho que na Alemanha as restrições estão um pouco mais rígidas quanto as regras do que na Áustria. Nós tivemos bastante sorte aqui na Áustria. Nós não precisamos mais usar máscaras para fazer compras, os restaurantes estão abertos, Tudo está indo praticamente normal. Eu tive também a sorte de poder pedalar ao ar livre todo o tempo. Isso foi bom! Se você pensar nos meus companheiros de equipe Espanhóis ou meus companheiros Italianos, …acho que eles realmente tiveram um período duro, mas pra mim as coisas andaram bem, mas claro sinto falta das corridas.

Com certeza! Eu posso imaginar. Bem, eu preparei um pequeno roteiro aqui pra falar com você. Eu fiz só uma pequena introdução, com algumas informações suas que peguei na internet…
Sim…

Marco Haller é um ciclista profissional Austríaco de 29 anos, com 10 anos como profissional, não?!
Sim! É o meu 10º ano no profissional…é verdade….

Bem…você começou no time Continental Radland Tirol em 2010, depois mudou para equipe Adria Mobil e entre 2012 e 2019 você fez parte do time Katusha. Tendo parceiros como Marcel Kittle, Daniel Navarro, Nils Politt, …Rick Zabel, Zakarin e outros claro. Desde o início desse ano, você está no time Bahrain Mclaren, pedalando agora ao lado de (Mark) Cavendish, Damiano Caruso, Sonny Colbrelli, Ivan Cortina e Mikel Landa, certo? Você já encontrou esses caras alguma vez?
Nós já nos encontramos em outrubro em Londres…ou Nova Londres. Nós estivemos no QG da Mclaren. Foi uma bela experiência. Nós na verdade começamos a temporada muito bem. Uma pena infelizmente que essa pandemia…

Sim! Doideira total…
Ao redor do mundo na verdade, não apenas no ciclismo. É um problema mundial…nenhuma dúvida quanto a isso, mas acho que a gente tá num bom caminho pra voltar e vamos continuar otimistas.

Sim! Com certeza. Bem…em 2018 você disse a ‘CyclingTips’ que aquele ano de 2018 foi ‘o início de temporada mais dura de todos os tempos’, porque você tinha sofrido naquele período duas infecções virais e um acidente sério no seu joelho e ainda quebrou o fêmur! Ôh, meu Deus! Mas em 2019, você voltou pra bike, participou do Giro d’Itália e foi o ano que eu também estreei como vídeo repórter e o destino nos colocou cara-a-cara por causa daquele vídeo que se tornou viral, que espero que todo mundo aqui tenha assistido. Então antes de mais nada, gostaria de te agradecer pela entrevista e dizer que é um enorme prazer falar com você de novo e gostaria de dizer que me sinto sortudo pela chance de poder conhecer um cara tão bacana e um ciclista profissional como você e que sempre se mostrou muito educado e gente boa. Muito obrigado mais uma vez, cara!
Eu acho que a gente teve muita sorte com esse vídeo, não?! Nós realmente ficamos famosos no Brasil, não?!

Com certeza! Bem, acho que não só no Brasil! Até hoje eu recebo que alguém me marcou. Porque algum perfil publicou o vídeo de novo e as pessoas comentam de novo. Ôh, meu Deus! Isso nunca vai terminar!
Uma situação maluca, mas agora é engraçado pensar nisso.

Com certeza! Bem, vamos começar com as perguntas que eu preparei aqui. Bem…antes de tudo…eu gostaria saber se você já era louco por ciclismo na usa infância? Qual era a paixão do ‘pequeno Marco’ nessa época? Na Áustria?
Olha, todo mundo que me pergunta isso, eu dou a mesma resposta: eu acho que eu era uma criança muito chata! Porque meu pai me colocava nos mais diversos clubes esportivos. Eu estava jogando futebol e pedalando e fazendo Ski Alpino e jogando Ice Hockey no inverno, então eu tinha bastante energia aparentemente. Então acho que meu pai apenas queria me dar a oportunidade pra gastar minha energia. E quando eu fiquei mais velho, claro eu tive que escolher um esporte. Primeiro eu saí do Ski Alpino e depois também do futebol. Então ficou só o ciclismo e o Ice Hockey de inverno e depois mais tarde eu continuei só com o ciclismo, porque a coisa que você mais gosta como criança é ganhar! E eu estava ganhando mais no ciclismo…então eu apenas segui com isso…o destino me trouxe pro ciclismo…

Muito bom! Bem, eu mencionei sobre o seu acidente, que com certeza não foi um bom momento. Bem, eu já sofri um acidente com a minha bike também. Foi duro pra voltar também…perdi um pouco do movimento da mão. Mas claro, você teve esse acidente sério e que com certeza não foi difícil pra se recuperar e voltar a pedalar de novo. Quão difícil foi aquele momento, o que você se lembra e o que você aprendeu depois disso?
Acho que situações como essa, possuem um sentimento comum. Se você conversa com qualquer esportista que sofreu alguma lesão, você não toma mais nada como garantido, você entende de novo o privilégio que é ser um esportista profissional e de ganhar seu dinheiro pra viver sua paixão. E sim foi um acidente grave porque fiquei fora da bike por quase meio ano. Dois meses de muleta e foi com certeza um caminho longo pra voltar, mas a cabeça do Ser Humano é incrível! Porque você esquece muito rápido quando você volta ao batente e você imediatamente volta para aquilo como nunca antes. Talvez tenha sido uma experiência importante pra mim, porque naquele ponto eu tinha 7 ou 8 anos no ranking profissional e você se acostuma com aquilo e você começa a reclamar um pouco, talvez a perder também um pouco da motivação, mas depois você começa a entender de novo como é boa minha vida de ser ciclista profissional, então eu acho que foi como um pequeno recomeço da minha carreira.

Sim, com certeza.
Estou focado em tirar o positivo disso.

Sim! Bacana. Quando começou essa pandemia, você estava no Tour dos Emirados Árabes. Você foi um dos ciclistas que ficaram lá. Quanto tempo vocês ficaram lá?! Quase um mês, não?!
Não! Na verdade eu tive a sorte de voltar pra casa no meu voo original. Eu acho que tiveram só 3 ou 4 times que tiveram que ficar por lá, mas o nosso time Bahrain Mclaren já que não tivemos casos positivos pro COVID-19, nós fomos autorizados a voltar pra casa apenas 3 dias depois de terem cancelado a corrida.

Exato, mas porque eu me lembro de ter falado com você quando você estava lá e fiquei com esse sentimento de que você tinha sido um dos ciclistas que tinha ficado lá. Fiz essa confusão!
Obviamente todos os ciclistas foram testados e também toda a equipe, jornalistas e tudo mais. Eles puderam verificar que só tinham tido casos positivos apenas em um andar do hotel. Então ele mantiveram todo esse andar lá. Isso eram 4 times. Então esses 4 times tiveram que infelizmente ficar por lá. Eu acho que por mais 4 semanas lá. Com certeza uma tarefa mentalmente difícil, mas eles disseram que tivemos sorte de poder voltar pra casa.

Bem…eu vi que você fez uma longa viagem pra Viena durante a sua preparação também, depois do fim do ‘lockdown’. Como você manter a motivação? Sem corridas? Sem calendário? Durante esse período? Como é o seu dia? E como manter essa motivação? É difícil pra mim aqui, eu fico imaginando como é para um atleta?
Sim…eu apenas tento criar alguns desafios pra mim mesmo. Um dos desafios foi…bem eu tinha um encontro com minha namorada em Viena. Então nós fomos de carro. Eu levei minha bike comigo e pensei porquê não voltar pra casa de bike? São 320km e me tomou tipo umas 10h no final. Então foi uma bela e longa viagem certamente e eu curti de alguma maneira e foi uma grande experiência…

Sim! E tem boas montanhas ao seu redor, não?! Pra escalar…
Áustria é um dos países mais bonitos pra se andar de bike. Tenho certeza absoluta disso. Foi o que eu disse pra você antes, tem com certeza muitas desvantagens de estar em casa por tanto tempo, mas por outro lado eu posso realmente aproveitar a nossa natureza e explorar a minha região um pouco mais e acho que fiz a maior parte dele…

Demais! Estou planejando de ir pra Suíça em Agosto de férias e estou planejando escalar o Furka Pass….
Furka Pass! Sim, sim!

Vamos ver…sou um ‘escalador’. Bem, eu gosto de escalar também, mas aqui em Berlim….é completamente plano!
Ôh, meu Deus! Um pouco chato, não?!

Completamente….eu comecei a ficar feliz com 60m de montanha, sabe?!
É…também é bom…

Bem, eu sou do Rio, então o Rio é incrível para pedalar também. Muitas montanhas ao redor, uma natureza incrível, mas aqui é completamente plano! Bem, eu vi que você é um dos pré-selecionados para o Tour de France em Agosto. Como está a sua rotina de treino agora? Como você tem treinado?
Bem, tem claro uma parte que a gente só pedala pra manter a forma física, mas claro que agora a gente começa a subir na escala propriamente. Nós sabemos que a temporada está prestes a recomeçar, então os treinos ficam mais fortes, mais intensos. É como se preparar para o começo original da temporada. Me sinto pronto e não vejo a hora de começar.

Você acha que esse possa ser o Tour de France mais imprevisível de todos? Porque a preparação de todo mundo talvez não tenha sido (ideal)? Eu acho que de repente talvez tenha quebrado a curva de preparação dos atletas, não?! Eu acho que pode ser uma surpresa completa pra todo mundo, não?! Vai ser uma loucura, não?!
Difícil dizer como as pessoas passaram por este período sem corridas. Mas sendo honesto, eu acho que no fim do dia, vão ser os mesmos ‘contenders’ para a Classificação Geral. Talvez um ou outro quebrem cedo ou tarde, mas como é todo ano o melhor vai ganhar como deve ser…

Sim! Bem, você me falou sobre o negócio da sua família. Uma agência de turismo para ciclistas que teve claro que fechar nesse momento. Bicicleta é parte do seu lifestyle? Se você tiver que comprar pão, você vai de bike?! Ou não, bicicleta é só meu trabalho?
O negócio é basicamente tocado pelo meu pai. Eu tecnicamente não tenho nada a fazer com esse projeto, mas o que eles fazem com o Haller Cycling é criar uma experiência de ciclismo profissional para qualquer um. Você pode agendar um feriado de ciclismo e sentir essa experiência. De ter um mecânico, um ônibus da equipe e tudo mais com você, mas como eu disse antes e você mesmo falou, por conta dessa pandemia, fez esse tipo de negócio passar por um período difícil e eles decidiram fechar por enquanto. Vamos ver se eles vão conseguir recomeçar esse negócio de novo. Mas por enquanto não é um bom momento obviamente porque você precisa viajar cruzando fronteiras e no momento isso muito difícil e por isso nesse momento eles estão fechados.

E estamos sem turistas no mundo nos dias de hoje, né?! Eu vejo por Berlim aqui, a cidade tem sempre turistas e atualmente está completamente só para os residentes de algum modo… 
Sim…

Realmente um momento esquisito. Bem, esse final de semana nós tivemos o primeiro Tour de France Virtual. Eu não sei se você chegou a ver alguma coisa. Eu vi que você participou de uma corrida virtual. O que você acha que vai ser esse ‘novo normal’ hoje em dia? Como você imagina que ficará o ciclismo com as mídias sociais? Se tornando talvez mais importantes que as corridas reais? Com certeza não….mas como você acha que isso possa mudar o mundo do ciclismo? Como isso possa talvez também promover o ciclista, o profissional? Os atletas? O que você pensa a respeito disso tudo?!
Olha, eu não acho que o ciclismo em si possa ser substituído por corridas virtuais. Simplesmente não é a mesma coisa. É fantástico ver a paixão e a comunidade do ciclismo embarcando nisso, realizando ‘e-racing’ num momento onde corridas reais não são possíveis. É ótimo poder comunicar-se e estar juntos virtualmente. quanto você não pode fazer presencialmente, Mas ainda o Tour de France precisa dos espectadores…Paris-Roubaix, Sanremo, o Giro. Você precisa estar lá, você precisa ter essa experiência. Você precisa sentir os ciclistas e isso não pode ser substituído…o ciclismo real com certeza. Mas como eu disse, é uma ótimo caminho para compensar o tempo que a gente perdeu sem corridas de verdade. E acho que foi bom pra manter o ciclismo entre a gente.

Você acredita que os eventos futuros vão ser mais frios?! Sem tantas pessoas? Ou talvez mais fáceis? Sem tantos jornalistas ou fotógrafos em volta? E li que eles vão cortar as ‘Podium Girls’, por exemplo! O que você acha que vai acontecer com as corridas com isso? Você já recebeu alguma informação de como as coisas vão mudar? Especificamente nas competições?
Olha…existem tantos rumores saindo por aí que eu particularmente não quero participar em dar minhas ideias e pensamentos sobre isso. Meu trabalho é estar em forma e correr com minha bicicleta e isso é o que eu estou fazendo no momento. Estou tentando manter a forma e estar nas melhores condições e estou focado nisso! Tem outras pessoas lá que estão pensando nesses problemas e políticas, mas essa não é a minha parte.

Sim, com certeza! Eu vi em um dos nossos vídeos que o Erik Zabel (ex-ciclistas e campeão alemão), veio até você para falar com você e claro, eu vi que ele te tratou com um abraço e com grande carinho e respeito, claro e eu sei que você também já pedalou com o filho dele na Katusha. Você acha que é difícil fazer amigos no Pelotão? No futuro você acha que o seu melhor amigo vai o Mark Cavendish?
Olha…o Cav é um cara legal! Eu já dividi quarto em Abu-Dhabi com ele. Eu acho até que é bem fácil pra fazer amigos no Pelotão. Porque o ciclismo é o que conecta todos nós e o ciclismo é a paixão que todos nós ali compartilhamos. Assim como você como jornalista, nós como ciclistas, organizadores, patrocinadores, porque estamos todos aqui ou a razão de estarmos todos aqui é o ciclismo. Então definitivamente nós temos pelo menos uma grande coisa em comum, mas claro nós não somos melhores amigos com todo mundo, mas eu acho que com praticamente todos os corredores nós podemos compartilhar uma conversa e falar um pouco. Tem definitivamente mais amigos que inimigos no Pelotão…

Sim, com certeza! Bem…você imaginou um dia se tornar viral na internet? Como você se sente hoje depois de 1 ano do nosso vídeo nos ‘Trending Topics’ do ciclismo?
Eu estava fazendo a piada que este vídeo me trouxe mais publicidade do que ganhar uma etapa no Giro! Mas eu ainda vou preferir ganhar uma etapa no Giro do que fazer um outro vídeo de novo…

Eu espero também…
Mas foi realmente um incidente muito engraçado e a incrível coincidência que você estava lá gravando daquele cara tentando pegar a caramanhola e certamente vai ser uma das histórias que a gente vai contar no futuro…

Com certeza! Com certeza…bem, pra mim eu estava lá filmando…estava completamente…eu não sei, eu estava quase 500m depois da linha de chegada e simplesmente aconteceu em frente a minha câmera, você sabe?! O filme completo tem só 23 segundos eu acho. Não foi um ‘take’ longo…foi só esse ‘take’ e aconteceu na minha frente! E foi muito louco! E claro, eu não esperava que se tornasse viral. E eu tive que ir no dia seguinte no ônibus pra te pedir desculpas, mas foi uma loucura, uma verdadeira doideira! Foi também minha primeira vez lá! Era a segunda ou terceira etapa na corrida, porque eu cheguei na segunda semana (do Giro). Foi inacreditável se tornar viral. Com certeza agora é uma memória pra sempre!
Definitivamente!

Bem, fantástico! Ah, eu gostaria de te mostrar o que eu tenho aqui pra terminar… (Mostro o quadro com o capa autografado que ele me deu)
Ahhhh….muito bom, muito bom, muito bom…

Coloquei aqui com o seu nome.
Incrível! Nós agora só precisamos nos encontrar nas próximas corridas pra substituir o cap da Katusha por um da Bahrain Mclaren!

Com certeza! 
Muito bom, cara!

Eu guardo isso aqui com bastante paixão e carinho. Tá aqui na minha parede!
Demais!

É um belo souvenir! Com a sua assinatura, porque pra mim foi muito especial estar lá no Giro d’Italia. Cobrindo lá pela primeira vez e tudo isso aconteceu. Foi realmente muito louco e ter te conhecido, foi fantástico também. Eu espero que a gente possa voltar as corridas logo e nós possamos estar mais felizes com o mundo voltando ao normal. Vai ser bom! Por enquanto é o que temos.
Continue positivo!

Com certeza! Você também, cara! Muito obrigado!
Foi bom falar com você, companheiro! Bom te ver! E como você disse, te vejo em breve em alguma corrida!

Com certeza! Espero isso também! Muito obrigado, cara! Tchau, tchau! Curta aí…
Tchau!

Foto da capa: Acervo pessoal/Instagram Marco Haller @mhaller91

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