Esse garoto tinha 21 pra 22 anos, vindo desse país aí que te falei. Eslovênia?! Isso. Última corrida. Tour de France, sabe como é né? Time trial? Ganha quem fizer o menor tempo. Última?! Mas não tem Paris? Sim, mas esquece. Presta atenção: o moleque tava 1 minuto atrás do Camisa Amarela. Camisa Amarela é quem tá na frente de geral, você sabe, né?! Sim, sei. Só que o Camisa Amarela também era de lá. Só que mais velho. Quando ainda se chamava Iugoslávia. Então os dois eram de lá, entendeu? Uhmm…

Só os dois. Os dois Eslovenos. Um com 30 anos e outro com 21. Um campeão, vestindo a amarela há 2 semanas e o outro ainda uma promessa. E a diferença entre eles ia caindo a cada segundo e você via que o Camisa Amarela não ia resistir. O moleque vinha endiabrado. Parecia uma bala! E o Camisa Amarela…bem o moleque passou o carro. Quer dizer…a bike! E abriu 30 segundos de cara no campeão da última Volta da Espanha. Ca-ce-ta! Depois ele ainda bateu o tempo do Campeão Mundial de TT em mais de 1 minuto. Uau! ‘Dumola’ era o nome desse outro. Apelido, eu acho. Time Trial. Você sabe, né?! Sim, sei.

Daí o Camisa Amarela entrou em desespero. A ponto de o capacete mal encaixar na sua cabeça. Você via a pedalada quadrada, os braços abertos. Era o fim. Ele estava prestes a perder a camisa. Aí veio o ladeirão final. E o moleque sentou a bota! Sem diminuir o passo, cruzou a linha de chegada com quase 1 minuto na frente! 59 segundos para ser mais preciso. Foi inacreditável! Ninguém acreditou. Um garoto de 21 anos ganhou o Tour de France, com quase 1 minuto a frente do Camisa Amarela daquele ano. Foi surreal!

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Foi sobrenatural, mas foi verdade

Foi verdade porque todo mundo viu. Publicou, narrou. Filmou. Não teve fake news. Virou história. E Tadej Pogačar fez história no Tour de France 2020. Daquelas que iremos ouvir e rever por muitos anos.

Pogačar chega ao topo do pódio no Tour de France após ganhar 3 etapas na competição. E o seu histórico recente traz corridas de peso como o 3º lugar no pódio da Volta da Espanha 2019. Edição inclusive que Primož Roglič foi o campeão. Venceu ainda a Volta da Valencia, uma etapa do Tour dos Emirados Árabes e é também o atual Campeão Esloveno de Time Trial. Ganha inclusive em cima do seu compatriota, Roglič. De novo. Se fosse futebol, já o estariam chamado de ‘freguês’. Mas o ciclismo é mais cordial…

O que Tadej Pogačar fez foi quase sobrenatural. Ganhou o Tour em uma virada final espetacular e ainda faturou a Camisa de Bolinhas de Rei da Montanha, a Camisa Branca de melhor jovem e claro, a Amarela. Um feito raro e só alcançado uma única vez na história do esporte, por ninguém menos que Eddy Merckx, em 1969. A outra coincidência: os dois eram estreantes na competição. Inacreditável.

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Talvez assim a gente possa sentir um pouco do que foi o fenômeno Eddy Merckx naquela época, atualizada para os dias de hoje. Foi a primeira vez também que a tradicional marca italiana de bikes Conalgo ganha um Tour de France. Seu Ernesto Conalgo deve ter sido outro grande fã das magrelas a estar feliz da vida ontem.

‘Meu Primoz’

Precisamos falar de Primož Roglič. O outro esloveno que também tem no nome esse acento esquisito, era o favoritaço para ganhar a competição. Com a ajuda da sua equipe Jumbo Visma, que confirmou todas as previsões de ser o time a ser batido no Tour deste ano, ele foi puxado o tempo todo pelo time que se manteve quase sempre na cabeça do pelotão e tirando aquela monotonia de anos de Team Sky/INEOS. Os ‘cavaleiros’ Tom Dumolin, Sepp Kuss e o monstro Wout van Aert, seus maiores gregários, garantiram um excelente trabalho e Wout van Aert inclusive, ganhou duas etapas e teve ainda Dumolin acabando em 7º na Geral. Mas não foi suficiente. Eddy Merckx ainda alfinetou dizendo que este foi aliás o erro da equipe.

Roglič é sem dúvida um dos maiores ciclistas da atualidade para as grandes voltas e a caminho de Paris, na última etapa, vestindo apenas a sua camisa de Campeão Esloveno, se mostrou recuperado da provavelmente noite mal dormida e começou o trajeto final com sorrisos no rosto ao lado do seu compatriota. Vai servir como grande lição para todos: ‘Nunca conte com o ovo no cu da galinha’, diria meu avô. Acabou em segundo no pódio.

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Pra fechar, a grande surpresa foi ver o australiano Richie Porte, recuperado de suas trocentas quedas e muita falta de sorte, terminar o Tour aos 35 anos de idade na terceira colocação. ‘Nunca é tarde para começar tudo de novo’. Que belo exemplo.

Peter Sagan e Sam Bennett

Peter Sagan tentou novamente, mas não venceu nenhuma etapa e nem conseguiu garantir a sua até então, tradicional Camisa Verde no Tour de France. Os ciclos parecem que estão se completando.

O irlandês Sam Bennett comemorou como nunca a sua vitória em Paris e garantiu a sua primeira Camisa Verde e pondo fim aos 7 anos seguidos de reinado de Peter Sagan. Triste castigo para a Bora Hansgrohe que o tinha na equipe até 2019, mas que acabou o dispensado. No seu ano de estreia na Deceuninck-Quick-Step, Sammy garantiu o que parecia ser a ‘camisa cativa’ da sua antiga equipe.

Os Colombianos, um Equatoriano e um Polaco

Os colombianos também se saíram muito bem. Apesar do abandono do atual campeão até então Egan Bernal, duas etapas foram vencidas por eles, com o vencedor do Critério da Dauphiné, Daniel Felipe Martínez, e Miguel Angel López, que venceu a Etapa Rainha no Col de la Loze. Teve ainda o Equatoriano e campeão do Giro D’Itália 2019, Richard Carapaz vestindo a Camisa de Bolinhas por dois dias e promovendo a chegada mais emocionante desse Tour de France, ao cruzar a linha abraçado com seu gregário Kwiato na Etapa 18 em La Roche-Sur-Foron e lhe entregando a vitória por tantos anos de dedicação do Polaco.

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É a primeira vez na história de 37 participações colombianas no Tour, que havia ciclistas nacionais entre os 10 primeiros na segunda semana. No final, havia dois no top 10 final: Miguel Angel López fez sua estreia no Tour – foi o sexto, e o veterano Rigoberto Urán, que estava prestes a abandonar o ciclismo após seu grave acidente na Vuelta a Espanha ano passado, figurou em um oitavo lugar digno de crédito. Em 2019 estava em sétimo e com a chegada a Paris completou 16 Grand Tours, três deles no pódio e 8 no top 10.

O ciclismo colombiano, em constante renovação, continuará sendo um dos protagonistas do Tour, com alegrias e derrotas.

Quem terminou também sorrindo de orelha-a-orelha, apesar da máscara não ter deixado ver isso completamente foi o Suíco Marc Hirschi que após bater na trave em duas etapas, acabou ganhando uma e saiu merecidamente com o título de mais combativo da competição.

Paris vazia para ver o impossível

A nota triste fica mesmo por ver Paris em um de seus dias mais esperados do ano para a cidade, ter a Champs Elysée completamente vazia. Um pena. Reflexo desses dias esquisitos que estamos vivendo.

Termino com a frase deixada pela Adriana Nogueira no Twitter após a vitória de Pogačar: “O ciclismo é uma metáfora da vida de todos nós, aonde altos e baixos são intercalados por longos e monótonos períodos aonde seguimos a vida “pedalando” com o vento na cara.”

Logo após o título, Tadej Pogačar confirmou que estará na prova do Mundial de Estrada em Imola no próximo domingo. Vai pegar fogo.

Chapeau!

Capa: https://twitter.com/MaillotjauneLCL

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