Bem-vindos a minha coluna de estreia aqui no BikeBlz. A ideia desta coluna é dar espaço a outras modalidades esportivas que sofrem assim como o ciclismo, da falta de atenção da mídia e muitas vezes também de público. Gostando eu de tantos esportes, quero escrever e dar espaço aqui a outras histórias esportivas, também cheias de emoção. Mas claro, falar também de ciclismo, mas sempre do Ciclismo Português, ora pois. 🙂
Para começar, nada melhor que falar de duas figuras que mudaram tudo para sempre. Uma fundamental no basquete feminino e a outra, com um peso enorme para o ciclismo português, mesmo sem ser um ciclista. Quero lhes apresentar as histórias de Senda Berenson e de José Tanganho.
Senda Berenson, a mãe do Basquete Feminino
Senda nasceu como Senda Valvrojenski na cidade de Vilna, na Lituânia, em 19 de Março de 1868. O pai emigrou para os Estados Unidos em 1874 e lá assumiram o apelido de Berenson. A jovem Senda era uma garota amedrontada, longe do que viria a se tornar. As suas irmãs já nasceram em Boston e desde cedo, a família procurou que ela se “americanizasse” o mais depressa possível. Por motivos de saúde, ela não conseguiu completar o ensino na Boston Conservatory of Music e então o pai foi levando a pequena Senda ao gosto pela leitura até entrar para a Boston Normal School, onde começou a estudar e a ganhar interesse por diversas áreas como anatomia, fisiologia e higiene. Começou a dar aulas de ginástica e se destacou como uma líder nata.
Aos 20 anos, ela começou a sua carreira como professora na Smith College e foi ali que tudo mudou. Ao ler um artigo sobre basquete, apresentado como sempre, apenas para homens, ela achou que não era bem assim e começou a ganhar interesse sobre o tema. Procurou ver jogos e treinos sempre que possível e não perdia um único jogo no YMCA Training Center em Springfield. Além disso, ela não perdia nenhum artigo e nenhuma conferência sobre educação física em Yale.
Era presença assídua e uma figura cada vez mais marcante e interessada nesta área. Em uma das convenções, ela conheceu Dr. James Naismith, o criador do basketball e que a incentivou a procurar saber mais sobre o jogo e a formar uma equipe de alunas. E ela assim o fez. Nesta altura, as mulheres não estavam permitidas a participar de esportes como tênis, basquete ou golf. Era algo para homens e onde as mulheres nem podiam chegar.
Em 22 de Março 1883, Senda conduziu o primeiro jogo de basquete feminino e fazia-se assim, história. Uma data que marcou para sempre o basquete e o desporto feminino pelo impacto que este jogo teve além do esporte. Nenhum homem foi permitido no recinto para ver estes jogos. A verdade é que dois anos após esse jogo, milhares de mulheres passaram a jogar basquete por diversos estados. Senda acabou inspirando também outras mulheres e sugiram assim várias outras modalidades femininas.
Mas mesmo com o desenvolver do basquete feminino, as mulheres não conseguiam assumir um lugar elevado na hierarquia esportiva, Senda viu que era preciso fazer ainda mais para que as mulheres tivessem voz e decidiu então criar o Rule Book. Que não só tinha as regras para o basquete escolar feminino, como também imensos artigos escritos por ela sobre este novo jogo. O “Basket Ball for Women” foi publicado pela primeira vez em 1901 e muitas das regras foram adotadas e usadas quase sem nenhuma alteração mais de 70 anos depois.
Em 1905, ela assumiu um lugar no comitê de regras da Associação de Advento de Educação Física, início do que viria a ser a National Association for Girls and Women in Sports, onde serviu exemplarmente até 1917, criando as principais regras e aprimorando e muito todo o esporte feminino.
Casou com Herbert Vaughn Abbott, um professor de inglês que era seu colega e se desligou do cargo no comitê esportivo, assumindo a função de Diretora de Educação Física no colégio privado Burnham School. Um colégio só para mulheres, lugar onde permaneceu até 1921 e onde pôde dar uma grande contribuição para o desenvolvimento do esporte feminino no ensino do Estado.
Sendra morreu 16 de Fevereiro de 1954 na Califórnia. O impacto de Sendra, mudou o jogo e a forma como o esporte feminino era visto. Levou milhares de mulheres para o basquete e ajudou a desenvolver o esporte feminino em diversas outras modalidades. Ela foi introduzida no Hall of Fame em 1984, sendo a primeira mulher a conseguir este feito. Tal como em tudo que fez, foi uma pioneira. Mudou tudo e influenciou milhares de mulheres ao redor do mundo, mostrando que o esporte não era apenas coisa para homens. Uma lenda.
José Tanganho e a Volta a Portugal
Para segundo tema, algo que vai estar sempre presente a cada artigo aqui, será o ciclismo português que tanto me diz. Para começar, vou falar de José Tanganho, vencedor da Volta a Portugal a cavalo de 1925.
Mas se vou falar de ciclismo porque é que vou falar de cavalos? Passo a explicar: o percurso da Volta a Portugal em bicicleta, na sua primeira edição, era igual ao que foi realizado na Volta a Portugal a cavalo. Esta prova de cavalos serviu para testar o percurso que foi aproveitado depois para os ciclistas.
Na prova a cavalo, José Tanganho tornou-se o herói do povo, mas já lá vou. Nesta volta a cavalo de 1925 foram 1458 km percorridos em 25 dias num país pobre, que mal tinha estradas e onde cada cavaleiro levava uma arma para se defender dos assaltantes ou abater o cavalo ferido durante a corrida. O herói do povo ia quase sempre à frente, ganhava etapas, mas curiosamente, não cortou a meta em primeiro lugar.
Dos 39 cavaleiros, só três concluíram a prova que era dura em vários aspectos. Tudo começou em Lisboa. Pesagem de cavalos, reunião de todos os participantes, em sua maioria oficiais do Exército, alferes, Tenentes e Capitães e como tal, todos tinham o apoio de veterinários e alguns eram eles próprios oficiais veterinários.
Daí a preferência do povo por José Tanganho e pelo seu cavalo, o Favorito. José era um homem do povo, sem riqueza, sem apoio e claro que isso foi mais que suficiente para que ele tivesse o apoio de todos.
A prova em si foi um sucesso. Organizado pelo jornal Diário de Notícias, contava com o apoio do governo e isso traduziu-se em êxito. A população seguiu cada etapa muito entusiasmada pelas páginas dos jornais e grande parte foi mesmo aplaudir os cavaleiro nas estradas pessoalmente, pois a prova passou por 70 vilas e cidades do país.
Cavalgando noite e dia, sob condições duríssimas, cavalos e cavaleiros iam encantando o País. A população vibrava com a corrida e com a possibilidade de ver este evento passar à porta de suas casas. José Tanganho foi vencendo dia após dia e ninguém tinha capacidade para superar o herói do povo que a cada dia ia apaixonando mais e mais a população. José Tanganho em várias noites foi obrigado a dormir junto ao seu cavalo, sem estrutura, ia apenas contando com o apoio de populares, enquanto por exemplo, o Tenente Brandão ou o Capitão Rogério Tavares, a convite de várias empresas, termas e hotéis, podiam pernoitar numa cama e em melhores condições.
Em um dos dias mais históricos, Tanganho fez os 260Km entre Viana e Condeixa sem parar, mas curiosamente os problemas começaram a surgir nos últimos dias. Em Alcobaça, o “camisa amarela” da volta a cavalo demora-se mais do que o previsto na calorosa recepção de que foi alvo e começava a perder tempo. Depois em Caldas da Rainha, sua terra natal, chega às 12h44 do dia 2 de Novembro, o filho da terra é abraçado numa alegria contagiante. Perde tempo e com isso o Capitão Rogério Tavares, montado no cavalo Emir, encurta a distância e entra na luta pelo título. Tanganho chega ainda em primeiro em Rio Maior e também aqui, na minha terra em Santarém, mas perde tempo com os festejos de que é alvo mais uma vez.
Mas o pior foi em Cartaxo, onde o comerciante António Rosa, proprietário do Favorito, o cavalo do José, faz uma festança e oferece a totalidade do champanhe consumido na vila durante a recepção ao cavaleiro. O Capitão Rogério Tavares com isso e não indo para a festa, aproxima-se ainda mais e no outro dia em Lisboa, leva o cavalo ao limite para vencer a etapa. Vence em Lisboa perante um mar de gente que o aplaude, mas que esperava mesmo a chegada de José, o herói do povo.
Apesar de ultrapassado, José voltou a demonstrar a sua postura de homem de grande lucidez e de pensamento arguto, o que contrastava com a fugaz euforia do Capitão Rogério Tavares que correu, correu, mas acabou sem encontrar a vitória. É que o oficial do Exército não poupou o cavalo o suficiente para participar na prova de saltos a se realizar no dia seguinte e é nessa noite que se desenrola um dramático episódio. O cavalo Emir, exausto pelo galope da última etapa, morre e o seu cavaleiro é desclassificado. No dia seguinte, José Tanganha vence! Prova de saltos com apenas três cavaleiros: José Tanganho, o Tenente Brandão de Brito e o Capitão Silva Dias, que ficaram assim em primeiro, segundo e terceiro lugar, respectivamente.
José Tanganho torna-se herói nacional e assim ficou evidente que este tipo de evento tinha atenção popular e foi então que surgiu a Volta a Portugal em bicicleta. Com a sua primeira edição ocorrida em 1927, dois anos depois da volta a cavalo. Também organizada pelo Diário de Notícias, com o mesmo itinerário e até com o mesmo número de concorrentes, a Volta a Portugal em bicicleta teve origem nesta volta a cavalo e pode-se dizer que José Tanganho foi tão importante para o ciclismo na época, como mais tarde muitas das figuras que hoje idolatramos no ciclismo português.
Até à próxima e muito obrigado! E viva o ciclismo português.
José Andrade é português de Santarém e torcedor do Sporting CP. Amante dos mais diversos e esquisitos esportes, inclusive ciclismo.