Preciso dizer que hoje foi um dia histórico. E vou tentar escrever aqui para marcar e escrever um texto mais detalhado depois. Pedalando e perdido sem GPS na fronteira entre Bélgica e França. Na região de Flandres/Roubaix.
Dormi em Menem, que só não esqueci o nome por conta do presidente argentino.
Após dormir todas as noites nessa cidade e usar como base para fazer a cobertura das corridas das Clássicas de Flandres, localizei que Roubaix ficava apenas 1h de bike de lá e o histórico Velódromo da Ville de Roubaix, um destino.
Uma região plana, rural, canais e ciclo-estradas. Uma hora as placas estão em belga e do nada trocam pra francês. Sinal que estava no caminho certo. Ao chegar em Roubaix, seguir para o velódromo era o caminho natural, mas pelo caminho, outros lindos prédios também me chamavam a atenção.
Cheguei.
Fiz o sinal da cruz. Fiz uma live. Fotos e vídeos. Não tava na real acreditando. Mas aí chegou a hora de seguir viagem…
Fim de tarde, me empolguei tanto que perdi a hora. Go to Maps…2h pra chegar no hotel!! Fudeu. Vai anoitecer e vou tá na estrada. Pelo menos é uma e-bike. Farol, lanterna, mala amarrada com uma cinta que achei no basement do hotel. A mala caiu duas vezes até eu aprender a amarrar. Pensei em ligar pro meu cenotécnico.
A bateria do celular acabou.
A bateria extra também.
Sem mapa. Sem telefone.
Sem saber pronunciar o nome da cidade do hotel. Muito menos seu nome. Reservei no Booking e foi. Recebi por e-mail. Tá lá, foda-se.
Celular com tela preta.
Porra tô na Bélgica! O que pode dar errado? Ciclovias no meio de plantações. Anoitece. Me perco por duas vezes.
Achei um casal contemplando o canal. Com o celular dele, fiz as primeiras anotações de direção. Era exatamente na fronteira com interseção de rios, canais, pontes e ciclo-estradas. Me apontaram uma direção. Mais a frente um grupo de pescadores. Me apontaram outra direção. Me lembrei que um pouco antes do meu celular apagar eu vi que o caminho seguia o rio. E assim o fiz…
Achei a ciclo-estrada que o beirava. Para qual lado agora? Passou um jovem de vinte e poucos anos de bike. Bélgica? Pra lá! Me apontou sem pestanejar. Anoitece.
Bato palma para um navio de carga atracado no canal. Com a luzes internas acessas, chamo por alguém. Pelo menos para buscar uma tomada.
Nada.
Sigo viagem, confiando no meu senso de direção e na leitura dos mapas e das cidades desde que cheguei. Outra encruzilhada e nova dúvida. Sigo uma direção. Volto. Vejo um mapa no caminho. Dúvida. Passo por uma van tirando um bote da água. Sigo em frente.
Volto.
Caminho errado. Passo de novo pela van. Os caras estão dentro dela e peço ajuda. Os nomes das cidades mudam. Um em francês e outro em belga. Renaix também é Ronse. PQP!
Carrego meu celular na van. Um dos caras faz cerveja. Abrimos uma. O ouro Belga. Me diz que tem 15% de álcool. E ele que fez. Brindamos. Breu e só o farol da e-bike ligada. Me oferecem estadia em último caso. Ligo pro hotel e finalmente sei o nome e o endereço. Não me recebem mais. Muito tarde. ‘Amanhã às 7h’. Desligam na minha cara!
Abrimos outra cerveja. Procuro por outro hotel mais perto.
30 minutos. Ciclo-estradas de cascalhos, plantações e breu. Cheguei! 22h.Que lindo bed and breakfast! No meio de uma estradinha dessas que você vê acompanhando a Gent-Wevelgem.
‘Você veio de bike?!’ É elétrica! Justifico.
Ele me oferece uma cerveja. Escolhida a dedo no freezer. Diz que a primeira é cortesia. O nome não poderia ser melhor: Simplex.
Ele entra no site das ciclovias belgas. O FietsNet e imprime o meu itinerário para amanhã. A conversa termina em ciclismo e com a frase: ‘Poulidor? Ele era sempre o segundo.’ Definitivamente estamos na Bélgica.
‘Eddie Merckx sempre vence.’
Nota 1:
Ao me despedir da van que rebocava um bote, eles passam por mim num contorno pra pegar uma subidinha. Aceno. Não me dei conta da carreta. O bote quase me pega. Ia ser um final trágico pra história. Ainda bem que terminou bem. De bike, todo cuidado é pouco. Mesmo na BEL.
Nota 2:
A Paris-Roubaix 2021 foi adiada justo na hora que eu estava no velódromo. :-]
