“Quem tem um amigo, tem tudo” diz o refrão da canção do Emicida e Zeca Pagodinho. O que dizer então de quem tem um Wout Van Aert (Jumbo-Visma) ao seu lado? Ninguém melhor que Roglic e a Jumbo-Visma para responder. Enquanto o Esloveno segue dominando corridas por etapas e finalmente quebrando o tabu de vencer na França (onde esteve perto de vencer e perdeu, nas últimas etapas, Paris-Nice, Dauphiné e o próprio Tour de France), o Belga é um escudeiro fiel. Além de buscar as próprias vitórias, ajuda o líder a vencer e a defender sua camisa como foram especialmente na primeira e na última etapa, quando Roglic demonstrou uma inesperada situação de dificuldade. Algo semelhante ao que aconteceu com Egan Bernal em Sega di Ala, quando a ajuda de Dani Martinez (ambos Ineos-Grenadiers) salvou a liderança e a vitória no Giro d’Italia 2021. Outro atleta que esteve naquela etapa de Sega di Ala, foi Simon Yates (Bike-Exchange) que junto a Martínez pressionaram Primoz Roglic no dia derradeiro desta “Corrida para o Sol”. Mas antes, vamos comentar das etapas anteriores, o caminho até Nice e a importância de Wout Van Aert para desequilibrar a disputa em favor da Jumbo-Visma.

Demonstração vulgar de poder

A etapa inicial foi uma completa loucura. Quando tudo se encaminhava para um fim em sprint,  o trio Laporte, Roglic e Van Aert aceleraram na subida final e simplesmente quebraram o pelotão, formando uma fuga com os três atletas da mesma equipe, que desceram e revezaram para abrir tempo dos rivais. Laporte recebeu sinal verde para vencer a etapa (sua primeira vitória no World Tour) seguido pelos colegas de equipe, que completaram o pódio, tal qual a UAE fez no Trofeo Laigueglia, aqui porém, de uma maneira ainda mais dominante.

O segundo dia foi um caos em meio ao vento cruzado, que partiu o pelotão em diversos pequenos grupos. A Jumbo mais uma vez esteve bem atenta e carregou seus principais atletas no grupo da frente. A Quickstep perdeu o bonde mas depois reconectou com o grupo e a vitória do dia foi disputada em um sprint vencido por Fabio Jakobsen (Quickstep).

Mais uma vitória do Holandês sensação e Van Aert  foi o segundo mais rápido, terminando novamente no top 3. A terceira etapa tinha uma chegada em ascensão leve e Van Aert mais uma vez estava entre os favoritos, o líder Laporte caiu nos quilômetros finais e não pode fazer a embalada, enquanto que a Trek trabalhou perfeitamente para um fortíssimo Mads Pedersen conquistar a etapa, à frente de Bryan Coquard (Cofidis), repetindo o que aconteceu na Etoile de Besseges, entretanto com um novo terceiro lugar, que era o Belga da Jumbo.

A etapa 4 era uma crono de 13,4 quilômetros  com percurso ondulado e uma subida íngreme no fim. O Australiano Rohan Dennis (Jumbo-Visma) estabeleceu o tempo mais rápido entre os que largaram primeiro e durou por um bom tempo. Até que seus colegas de equipe completassem a prova. Primoz Roglic fez o segundo melhor tempo e finalmente, Wout Van Aert pôde comemorar uma vitória e com ela, assumir a liderança da competição à frente de Roglic.  Novamente um top 3 todo de atletas da Jumbo, com Wout, PrimozDennis. Mais uma demonstração de força da equipe, enquanto que alguns rivais diretos pela Classificação Geral obtiveram bons resultados. Simon Yates (Bike Exchange) Dani Martinez (Ineos) terminaram o dia a 39s e 56s de Roglic na Classificação Geral. Nada mal, tendo em vista as duas primeiras etapas.

Montanhas à vista e abandonos em massa

Na quinta etapa, Wout finalmente abriu mão de seguir a frente de prova. Sem ele, Roglic ficou isolado frente aos rivais mas defendeu-se bem. Quem venceu a etapa foi Brandon McNulty (UAE Team) depois de atacar a fuga e largar Matteo Jorgensen (Movistar) e Franck Bonnamour (B&B Hotels) para vencer com quase 2 minutos de vantagem. Um resultado maiúsculo para o Americano que perdeu a chance de brigar pela Classificação Geral depois de cair na etapa 2 e perder tempo com os cortes de vento.

A cada etapa, diversos atletas abandonavam a Paris-Nice. Uma virose se espalhou pelo pelotão e diversos times ficavam desfalcados, numa quantidade avassaladora. Já no sexto dia, um grupo reduzido chegou aos quilômetros finais preparando-se para um sprint , mas Mathieu Burgadeau (Total Energies) tinha outros planos e atacou solo, utilizando-se das curvas e trechos de descida para segurar a vitória até o último centímetro de prova, com o pelotão chegando quase ao mesmo tempo que ele, onde Mads Pedersen  bateu o sprint pelo segundo lugar. Essa é uma daquelas vitórias para guardar com carinho. Coisa de cinema, que faz a gente amar esse esporte ainda mais. Se eu já não tivesse vestido o bretelle pra gritar da janela “ISSO É CICLISMO DE ESTRADA” na etapa 1, faria certamente na sexta-feira, ao assistir Burgadeau vencer contra todas as probabilidades.

Os dois últimos dias foram como deveriam ser: nas montanhas. No sábado, uma chegada ao alto no duríssimo Col de Turini. A Jumbo controlou como esperado e no fim, restaram só os líderes: Simon Yates, Martínez, Roglic e Nairo Quintana (Arkea-Samsic). Yates e Martinez revezavam acelerações no Turini e Roglic apenas marcava, enquanto que Quintana, apesar das boas aparições nas etapas iniciais e de estar atento no dia dos cortes no vento cruzado, perdeu mais de um minuto na crono e ficou como iô-iô no fundo do grupo mas não perdeu muito tempo nesta subida. No fim, Roglic acelerou e venceu o sprint no topo da montanha enquanto Yates Martinez seguiam de perto.

A etapa derradeira foi uma guerra digna de terceira semana em Grande Volta, 60 quilômetros antes do final, o grupo estava todo quebrado com os líderes à frente. Na penúltima subida do dia, o Côte de Peille, a frente da prova tinha Van Aert, Roglic, Simon Yates, Martinez e Nairo Quintana. Yates e Martinez atacaram enquanto Roglic e Quintana tentavam seguir. O Esloveno demonstrava certa dificuldade e o Colombiano não ia muito melhor. Van Aert manteve um passo constante e alcançou o grupo, que se juntou no topo de Peille e desceu junto para encarar o Col d’Eze. Martinez no entanto, teve um azar imenso entre as duas montanhas: um furo de pneu o tirou da briga pela etapa e a presença de Nairo Quintana no grupo da frente, ameaçava seu lugar no pódio.

O Colombiano da Ineos tentou seguir o grupo da frente, mas a equipe mandou esperar o grupo de perseguidores que vinha atrás e carregava o colega de equipe Adam Yates. Na subida final, Van Aert teve dificuldade de manter-se com os escaladores e ficou para trás, Simon Yates percebeu e atacou, abrindo uma boa vantagem em pouco espaço de subida. Roglic tentava seguir junto com Quintana, mas Van Aert foi capaz de alcançar o colega de equipe e manter um passo constante para reduzir a diferença de tempo. Quintana ficou para trás enquanto a dupla de líderes da Jumbo trabalhava em busca do Britânico. A descida e o plano foram extremamente favoráveis a Van Aert e Roglic e os dois chegaram apenas 8 segundos atrás do vencedor da etapa, Simon Yates que terminou em segundo na Classificação Geral. Martinez permaneceu no grupo junto com Adam Yates e assegurou o terceiro lugar na corrida.

Após a prova, o campeão ainda declarou:

Eu sempre venço com um pouco de drama, não é? Foi super difícil, tenho que admitir. Mas muito mais fácil que no ano passado e estou mais que feliz! Um enorme obrigado a todo meu time, especialmente a Wout (Van Aert) no fim. Ele é meio humano, meio motor. O cara pode fazer tudo.”

Um belo lampejo de forma do ciclista da Bike Exchange e uma rara demonstração de dificuldade do Tricampeão da Vuelta, Primoz Roglic. Mas para provar que mesmo os melhores precisam de apoio, Van Aert esteve lá para socorrer seu líder.  Mudando a letra de Emicida, a Jumbo pode cantar, tranquila: “Quem tem um Van Aert, tem tudo”.

Foto: ASO/Alex Broadway

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