Há 72 anos, os espectadores assistiram à única Paris-Roubaix da história que terminou em empate. Você deve imaginar o que aconteceu. 1949, dois ciclistas entraram no velódromo e cruzaram a linha juntos. Como na época não tínhamos a tecnologia do photofinish, os juízes, incapazes de decidir quem venceu, declararam empate, certo? Errado.
Na verdade, Serse Coppi e André Mahé chegaram à linha de meta com minutos de diferença e cada um venceu um sprint em frente ao público. Mas o que aconteceu? Por que então ambos são os vencedores e não quem chegou primeiro? E por que o resultado definitivo só foi declarado em novembro daquele ano, sete meses após a corrida? É isso que vou te contar. Puxa uma cadeira, senta aí e vamos entender o que aconteceu em uma das histórias mais curiosas do ciclismo.
Se você tem alguma familiaridade com o esporte, deve ter levantado uma sobrancelha no parágrafo anterior. Algo familiar? Talvez o sobrenome Coppi no período histórico da década de 1940. Sim, Serse Coppi era irmão de Fausto, multi-campeão e eterno rival de Gino Bartali. Fausto, já famoso e campeão, queria que o irmão vencesse uma grande corrida. Por isso que, já nas fases finais, ele deu um empurrão ao irmão, para que ele escapasse. Serse atacou e abriu vantagem. Do grupo de trás, André Mahé, Francês atacou tempo depois e alcançou o grupo de Serse Coppi.
Enquanto a batalha desenrolava na estrada, o público esperava no velódromo. Não havia televisão, muito menos smartphones, então as notícias que chegavam era via rádio e jornalistas de moto que acompanhavam a corrida. De repente, ao invés de aparecerem na entrada do velódromo, dois ciclistas surgiram do nada no meio da pista. Eram André Mahé e Frans Leenen, que junto de Jacques Moujica, haviam escapado do grupo de Coppi e por uma indicação errada de um policial, erraram o caminho da prova. Os três se deram conta quando viram-se em meio ao público e a carros. Um jornalista passou gritando na moto “NÃO É POR AÍ!”. Moujica tomou um tombo e quebrou um pedal. Os outros dois meteram-se pelo estacionamento até encontrar um pequeno portão lateral. Era uma entrada para jornalistas. Eles passaram por ali e chegaram ao velódromo , onde disputaram um sprint no qual o vencedor foi Mahé. O Francês comemorou e o público também. Ele recebeu as flores e quando estava no vestiário, outro grupo chegou ao velódromo, desta vez pelo caminho certo. Serse Coppi foi o mais veloz desse grupo e cruzou a linha à frente. Cada qual acreditava ter sido o campeão.
Fausto Coppi convenceu o irmão a protestar com o juiz, pois os rivais não haviam completado todo o percurso de prova. O juiz, Henri Boudard, mudou de ideia. Completar e conhecer o percurso é o básico. Logo, ele deu a vitória à Serse Coppi. Aí a “guerra” estourou. Franceses, Belgas e Italianos em discussão sobre quem venceu. Cinco dias após a corrida e a confusão na mídia, a federação francesa declarou que André Mahé era o campeão. Os Italianos, indignados, apelaram à UCI que suspendeu o resultado e o processo demorou até agosto, quando a decisão foi de cancelar a corrida e determinar que outra fosse realizada. Uma escolha que desagradou Mahé, Coppi, Franceses e Italianos.
A UCI então, deu novembro como data para uma última e definitiva posição sobre o caso. Entre acusações de interesse político e covardia, a UCI tomou o arranjo possível: declarou ambos vencedores e assim permanece até hoje. Se não agradou completamente a todos, foi melhor que as alternativas anteriores. A corrida que começou em abril, só no final de novembro teve um resultado definitivo, mais ou menos quatro meses antes da edição seguinte da Paris-Roubaix.
“Graças aos céus faltam apenas poucos meses para a próxima Roubaix” disse um oficial da UCI. Provavelmente também desejava uma edição mais tranquila e com certeza, mais curta!