Tricampeão mundial, 7 Camisas Verdes no Tour de France, mais de 110 vitórias, entre elas Paris-Roubaix, Tour de Flanders, tricampeão da Gent-Welvegem, E3, Campeão Europeu e 87 vitórias em etapas, sendo 16 em grandes voltas. O Eslovaco colocou seu nome entre os 20 maiores vencedores em números absolutos. Também foi um fenômeno de popularidade, pois junto com as temporadas recheadas de vitórias, uma personalidade irreverente aparecia durante a corrida e entrevistas. Autógrafos “polêmicos”, empinadas com a bike em subida, quebras de protocolos nas coletivas…Sagan é o rockstar do pelotão. Mas com um World Tour renovando-se cada vez mais rápido e a idade chegando, as vitórias começaram a diminuir e outros ciclistas, talvez até inspirados pelo próprio Peter chegaram à Elite e transformaram o extraordinário em algo mais comum. Com a dificuldade de se encaixar nos times World Tour, o Tricampeão do Mundo vai para a Total Energies em 2022. Uma equipe Pro-Continental…e a pergunta que todos se fazem é: o que vem a seguir para ele?
Os primeiros anos na Liquigás-Cannondale e a reviravolta no World Tour
Tão cedo quanto hoje aparecem as grandes estrelas como Tom Pidcock, Remco Evenepoel, Egan Bernal, Tadej Pogačar e outros, o Eslovaco Peter Sagan surgiu na Elite do Ciclismo de Estrada ainda em 2011, com apenas 21 anos. E fez barulho! Em uma temporada avassaladora para um ciclista tão jovem, venceu logo de início o Giro de Sardegna e mais 4 etapas, contra bons nomes do ciclismo italiano. Mais uma etapa no Tour da Califórnia e duas no Tour da Suíça. Isso só no primeiro semestre. Na segunda parte do ano, venceu o Tour da Polônia e mais duas etapas. Seus maiores resultados vieram na Vuelta a Espanha, onde ganhou nada menos que três etapas na sua estréia em uma Grande Volta. Em seguida, ele foi 12° no Mundial e na Categoria Elite, mesmo tendo idade para competir ainda no Sub-23. Estava claro: Sagan seria um nome para lembrar nos próximos anos. E assim foi.
No ano seguinte, logo de cara, 5 vitórias no Tour da Califórnia. 4 no Tour de Suisse. Aí veio a estréia no Tour de France, onde ele venceu 3 etapas e foi 2° na Champs Elysées. Campeão da Camisa Verde do Tour. Apenas o início de uma relação duradoura entre Sagan, o Tour e a Camisa Verde. Em 2013, mais vitórias na Califórnia e Suíça e uma temporada estelar de Clássicas:Vice-Campeão da Strade Bianche, E3, Sanremo e em Flanders venceu Gent-Welvegem e Brabantse Pijl. Ainda teve bons resultados na Tirreno-Adriatico com 2 etapas. O Tour de France novamente foi palco de excelente desempenho de Sagan, que esteve no Top 5 em 9 das 21 etapas. E venceu uma delas, novamente Campeão da Camisa de Pontos. Uma consistência imbatível de resultados.
2014 foi o último ano na Cannondale e outra temporada boa nas Clássicas. Vice outra vez na Strade Bianche, venceu a E3 e esteve no Top 10 de Sanremo, Gent-Welvegem e Paris-Roubaix. Mais vitórias na Califórnia e Suíça com Camisa de Pontos nas duas. Pela primeira vez, no entanto, não venceu etapas no Tour, mas foi Campeão da Camisa de Pontos por estar no Top 10 em 11 das etapas, mais da metade da corrida. Regularidade impressionante! Peter ainda correu na Vuelta a Espanha mas sem vitórias desta vez. Encerrou a temporada no Mundial sem grandes resultados. Era hora de mudar. Contrato assinado com a Tinkoff-Saxo, equipe do excêntrico bilionário Oleg Tinkov, que era fã do Eslovaco e apostava nele como alguém para popularizar o ciclismo.
Tricampeonato Mundial, Monumentos e Rockstar do Pelotão
O ano de 2015 começou complicado. Apesar das altas expectativas sobre o Eslovaco, uma vitória na Tirreno-Adriatico e nenhuma nas Clássicas da Primavera. Porém, o Tour da Califórnia veio e Sagan simplesmente mostrou uma versatilidade até então desconhecida, quando esteve entre os 6 melhores em todas as 8 etapas, incluindo etapas de chegada ao alto e contrarrelógio. Resultado: duas vitórias em etapa e Campeão da Classificação Geral. Alimentando ainda mais a novela “Sagan pode ganhar o Tour de France?” entre jornalistas e ciclistas.
O Tour 2015 foi mais uma prova de consistência. Novamente sem vitórias, mas 12 vezes entre os 10 melhores nas etapas. Quarto título na Camisa Verde do Tour. Neste ponto, Sagan e a Camisa de Pontos tornavam-se quase sinônimos. Mais uma vitória de etapa na Vuelta e em Richmond, a consagração maior: o título de campeão mundial. Na dura prova do Mundial nos EUA, Sagan atacou a 2,9 kms da meta, após uma aceleração de Greg Van Avermaet e fez tudo que podia para segurar a vantagem. Super tuck, jogou fora a garrafa d’água pra reduzir peso, correu riscos nas descidas, tudo que estava a seu alcance para manter a distância do pelotão. E assim cruzou a linha com apenas 3 segundos de vantagem para Alexander Kristoff. Mais que o suficiente. A Camisa Arco-íris era dele, deste momento em diante.
A partir daí, a loucura tomou conta do World Tour. Sem dúvidas, o auge havia chegado. A questão era por quanto tempo duraria. A Camisa Arco-íris é uma honra, simboliza o Campeão Mundial durante todo o ano, mas também é um alvo nas costas para os rivais. Não é qualquer ciclista que consegue lidar com esse fato. Muitos dizem até que há uma “Maldição da Arco-íris” pois existem ciclistas que caem de rendimento após vencerem o Mundial ou outros que não ganham sequer uma corrida no ano seguinte, mas este não é o caso de Peter Sagan.
Meses após Richmond, conquistou sua segunda Gent-Welvegem e a primeira Monumento da carreira: Tour de Flanders. Mais vitórias na Califórnia, Suíça e um Tour de France onde ele tocou fogo. Inclusive com a já lendária fuga junto ao Camisa Amarela Chris Froome na etapa 11 rumo a Montpellier.
Uma cena icônica dos Camisas Verde e Amarela em fuga, com vitória do Eslovaco. Naquela altura, Sagan encaminhava-se para o pentacampeonato da Verde. Froome, para o Tricampeonato da Amarela. Um breve resumo dos anos 2010 no ciclismo.
Ainda em 2016, Sagan conquistaria o Título Europeu, na primeira vez que profissionais disputavam a competição. E ainda o Grand Prix do Québec e o Bicampeonato Mundial em Doha, no Qatar. Onde, em uma corrida basicamente plana, os sprinters puros eram os favoritos. O melhor deles à época (e talvez um dos melhores de todos os tempos) era Mark Cavendish. A chegada em sprint foi perfeita. Cavendish veio protegido enquanto a Itália liderava, com Jacopo Guarnieri embalando Giacomo Nizzolo. A Bélgica tinha Tom Boonen e a Noruega, Boasson Hagen e Kristoff. Cavendish abriu o sprint pela esquerda e foi o primeiro a cruzar a linha…após Peter Sagan, que veio de trás e em poucos metros conseguiu desviar do pelotão, passar à frente e terminar em primeiro, já comemorando a vitória. O mundo era dele. Outra vez.
A Tinkoff encerrou suas atividades em 2016, logo, Sagan teria uma nova equipe: a Bora Hansgrohe. Uma equipe iniciante na Elite e com fome de vitórias. Uma combinação ideal para Peter, que ostentava, com orgulho a Camisa Arco-íris. Ele agora era o homem a ser batido. Os rivais o marcavam muito e as vitórias ficavam mais e mais difíceis.
Vice na Omloop e Milan Sanremo, a única vitória nas Clássicas 2017 foi a Kuurne-Brussels-Kuurne (KBK). No Tour de Flanders, ao defender o título, uma queda polêmica, a 17 quilômetros do fim, quando o STI de seu guidão agarrou no casaco de um espectador e Sagan foi ao chão, junto com Avermaet e Oliver Naesen. Avermaet conseguiu levantar-se e terminar em segundo, 29 segundos atrás do campeão Philippe Gilbert. Sagan se machucou e terminou em 27°. Sem tempo pra recuperação, não pôde disputar as vitórias das Clássicas restantes.
No Tour daquele ano, outra decepção: um dia após vencer etapa, Sagan se envolveu em um acidente com Mark Cavendish em uma disputa de sprint. Acusações de que Sagan deu uma cotovelada e vídeos inconclusivos terminaram com a expulsão do Bicampeão Mundial do Tour. Após 4 etapas, Peter estava fora do Tour. Sem chance de brigar pela 6ª camisa verde e igualar o recorde de Erik Zabel.
Restava um objetivo no ano e era o Mundial em Bergen, Noruega. Sem o Tour, restou correr na Polônia e Benelux, onde venceu algumas corridas e depois a Clássica de Quebec, no Canadá.
O Mundial de 2017 era uma corrida difícil, com quase 4 mil metros de ascensão e com muitas subidas em sequência. O principal favorito era o Norueguês Alexander Kristoff, um Classicômano com forte sprint e que consegue ir bem em provas deste tipo. A corrida foi dura como o esperado e tentativas de fuga foram neutralizadas, com a última delas sendo de Magnus Cort Nielsen (Dinamarca) que entrou no quilômetro final sozinho, mas foi capturado nos 500 metros finais. Seria outra vez um sprint. O ciclista da casa arrancou e abriu vantagem dos rivais, mas Sagan, novamente, sabia onde se posicionar e tinha a força necessária para ficar na roda de Kristoff. Foi por pouco, menos de meia bike de diferença, mas Sagan conseguiu: era Campeão Mundial pela terceira vez. Apenas o quinto ciclista na história a vencer três mundiais e o único a ganhar de maneira consecutiva. Ele colocou, definitivamente, seu nome na História, ao lado de gigantes.
A temporada seguinte, 2018, começou novamente com Peter vestindo Arco-íris e ainda mais marcado. Na Strade Bianche, Milan Sanremo e Flanders, as outras equipes e ciclistas sabiam que não podiam dar chance ao Eslovaco e neutralizavam seus ataques ou esperavam ele tomar a frente das perseguições. Na Gent-Welvegem, uma vitória, mas teve que ser no sprint.
A Paris-Roubaix era um título que ele queria, mas sabia que para conseguir teria que surpreender os rivais. O ‘Inferno do Norte’, como a corrida é chamada, não é uma fera fácil de domar. A Bora-Hansgrohe ajudou controlando a corrida no início para o Campeão Mundial, até que ele lançou um ataque, 54 quilômetros longe do fim. Sozinho, Sagan buscou a fuga e seguiu liderando a prova, com Silvan Dillier (AG2R) sendo o único capaz de acompanhá-lo após o mítico setor do Carrefour de l’Arbre. O Campeão Mundial e Suíço trabalhando em conjunto. Sagan ainda precisou apertar a mesa da própria bike que afrouxou devido à trepidação dos paralelepípedos e fez isso pedalando, sem parar. Os dois chegaram juntos no velódromo de Roubaix e o Campeão Mundial se impôs no sprint. Apenas pela quinta vez na história, o dono da Camisa Arco-íris vencia em Roubaix. Outro título incrível para ele, que apesar do cansaço, ainda teve bom humor pra fazer graça no pódio. Coisas de Peter Sagan.
Não satisfeito, ainda fez mais na França. No Tour, 3 vitórias de etapa e a 6ª camisa verde, igualando o recorde e juntando-se a Erik Zabel. Naquele ano, ainda correu a Vuelta inteira, mas sem vitórias, não conseguiu conquistar a Camisa de Pontos e ficou atrás de Alejandro Valverde (Movistar).
O Mundial de 2018 era novamente um percurso difícil. Em Innsbruck, Sagan sentiu o cansaço, a repetição de subidas difíceis e não conseguiu sequer terminar a corrida. Era um adeus para a Camisa de Campeão do Mundo. Em 2019, outro ciclista vestiria a camisa e este foi Alejandro Valverde. Que, aos 38 anos, se tornou o segundo mais velho a ser Campeão Mundial e foi o sucessor de Peter.
A vida depois da Arco-íris
O ano de 2019 não foi fácil. Apesar de bons resultados, as principais vitórias foram uma etapa no Tour e a sétima Camisa Verde. Agora, ele era o recordista solitário, com mais vitórias que qualquer outro. Mas foi apenas isso. No Mundial, apesar do bom resultado em um percurso difícil e com mau tempo, ficou em quinto, longe da vitória. O ano seguinte, 2020, ainda pior. Com a temporada interrompida pela Covid, quando as corridas retornaram, a forma não era ideal e a única vitória no ano foi na 10ª etapa do Giro d’Italia. Sem Camisa de Ponto nem no Tour, nem no Giro. Foi a pior temporada de Sagan em mais de 10 anos. Desacreditado e longe dos anos de ouro, a renovação do pelotão parecia deixá-lo para trás. Com apenas 30 anos, o Eslovaco já passou a ser considerado velho, com jovens como Pogačar, Bernal, Remco, Perdersen, Pidcock, Van der Poel e Van Aert vencendo Clássicas, grandes voltas e Mundiais, a sensação é que a geração mudou e Sagan faz parte do passado. A habilidade e versatilidade que o distinguiu por tanto tempo, hoje é quase regra nos novos talentos, que cresceram espelhando-se nele e hoje disputam as corridas da mesma maneira.
Adeus à Bora e a chance de redenção na busca por novos desafios
2021 marca o último de Sagan na Bora Hansgrohe, um time que começou na Elite em torno dele mas que depois aprendeu a andar com as próprias pernas. E, se vimos jovens tomando conta do pelotão, também vimos ciclistas experientes renascerem ou mostrando-se competitivos como Cavendish vencendo quatro etapas no Tour. O próprio Sagan fez um retorno ao Giro d’Italia e conquistou a Camisa Ciclamino. Vitórias na Romandia e na Catalunha também vieram. No Tour, a vida foi difícil e ele teve que abandonar devido à machucados de um dos vários tombos das primeiras etapas.
Na segunda parte da temporada, porém, a boa forma segue com o Eslovaco sempre perto das vitórias e nos Top 5 no Tour do Benelux e vencendo a Classificação Geral do Tour da Eslováquia, sua terra natal. No Benelux, alguns dos melhores nomes do ano estavam lá e Sagan se mostrou competitivo. Em casa, apesar de um bom resultado no prólogo e de vencer a Classificação Geral, a concorrência não era das melhores e ele ficou no quase em vitórias de etapa, onde sempre esteve nos três melhores.
Se as coisas não parecem boas como já foram, também não são tão ruins como chegaram a ser. No ano que vem, terá uma nova equipe, que anunciou sua contratação com pompa: a Total Energies. A equipe francesa é da segunda divisão do ciclismo mas quer subir de nível, assim como a Alpecin-Fenix de Mathieu Van der Poel. E eles confiam em Sagan para essa missão. Talvez seja isso que falte para ele, um novo objetivo no ciclismo. Desde que perdeu a Camisa Arco-íris, os resultados tornaram-se menores, assim como o glamour. E Peter parece alimentar-se disso. Correr com menos pressão, em uma equipe que precisa de um capitão experiente e vencedor é uma alternativa interessante. Faz lembrar o início na própria Bora, onde viveu alguns dos melhores anos. Pode ser o casamento perfeito no atual momento.
Mas antes de chegar à equipe, um último desafio: o Mundial em Flanders. A corrida de estrada terá 260 quilômetros e 2500m de elevação. O trajeto mais favorável a ele desde 2017. O Mundial é sempre uma corrida diferente, incontrolável. A possibilidade de um ciclista forte e fora do radar escapar e vencer é enorme. Seria a volta triunfante: estrear na nova equipe com a Camisa de Campeão Mundial. Tetracampeão, o único em todos os tempos. É improvável? É. Mas o histórico de Peter Sagan é de jogar as probabilidades pela janela. Por isso que todos gostamos dele e no fundo, adoraríamos que ele fizesse de novo, ao menos mais uma vez.
https://youtu.be/0PKjcwXAo6I