Saí correndo pela escada, com a bicicleta no ombro e mochila nas costas. Em vinte minutos a loja dos potes de plásticos ia fechar. Até abrir, fechar o portão e chegar na rua, tinha que voar. Uma quadra até chegar no cruzamento, esperar o sinal pra virar, começar a chuva, e Santa Fé toda vida pra baixo.

Quase sete da noite, trânsito pesado, ônibus, táxis e o resto. Poucas bicicletas no corredor e eu ocupando todos eles. O guidão curtinho cabe entre ônibus e retrovisor, mesmo quando as faixas se entortam e o vão que calhou a passar é o lado errado. Vira um pouco, sem freiar, e passa de esgueio, primeiro a manopla direita, depois o resto.

O trânsito de Buenos Aires é tranquilo, ninguém buzina, nem te mata, por mais sinais que você fure. Bicicleta não para no sinal, passa se der e se não der, passa como dá. Cheguei a tempo, em tempo de conseguir acenar para a vendedora pela fresta da porta fechada. Ela veio, peguntou o número do pedido da internet, e fechou a porta. Voltou com os potes, um de café, outro de polenta. Achei bom não me deixar entrar, porque nem tinha onde amarrar a magrela. Coloquei os potes na mochila e entrei no trânsito pelo meio-fio da calçada.

Ver uma bicicleta no meio dos carros é coisa outra de se ver os carros de uma bicicleta. Mais perigoso que pareça de fora, de dentro, é só fluxo. Nada tem risco, um carro que troca de faixa, o ônibus que fecha no carro, a fina que trisca a luva. Fácil, vai indo, pouco freio e muito guidão. A mão vai mostrando a direção, guiando o ziguezague.

Logo que entrei na rua, encontrei outro perdido. Passou por mim zunindo. E, como todo vira-lata, fui atrás. Passei por ele e a corrida de obstáculos começou. Torcia o cabo da fixa sumindo na frente do maluco. Mas não consegui furar o sinal direito, parei e perdi. Malandro, ele passou no vermelho voando, pegando a brecha dos carros cruzando. Achei o vão, mas até embalar, fiquei pra trás. Assim que os 48×16 entraram no ritmo, alcancei o furão.

Já estava suando, cabeça a toda, pirado na doidera. No mano-a-mano, sem o sinal, ele ficou. Nem olhei pra trás, mas a cada costurada, uma olhada de soslaio e nada dele. Já era!

O chuvisco parou e deixou só o cheiro de chuva. Eu já estava molhado da corrida.

Logo perto, segurei no freio e esperei pra dar um dale! Gracias, chico! Virei na esquina de casa e cheguei com oa potes são e salvos.


Kleto Zan é engenheiro de software, ciclista e detesta fotografia, mas escreve como ninguém.

Capa: Maximalfocus on Unsplash

 

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