De bobeira na livraria, achei um livro de ciclismo: Sociedade do cansaço. Comprei.

Esperava mais dicas de como melhorar a recuperação, evitar o overtraining, planejar a temporada, controlar o peso e aumentar a velocidade. Coisas que sempre estão por aí, para quem se motiva a comprar. Um pouco de motivação, pra quem sempre precisa comprar.

Mas foi um engano. Encontrei um 53×11 duro de cadenciar. Uma dessas bestas magras do ciclismo, com uma potência absurda em poucos quilos. Um livro que mal para em pé e, ainda assim, derruba. Frases curtas e diretas, como os ataques secos nos cotovelos inclinados das altas montanhas. Longes da famosa anedota alemã filosófica que guarda o prefixo do verbo para o final do parágrafo, aquele sprint de poucos metros.

O autor é o filósofo coreano do sul que está em moda na ágora, com livros ligeiros e tuitáveis, de frases curtas e assertivas. E se não sei nem o gentílico do autor quanto mais o nome, mas deve de ter um Han, Chan ou Zan.

A história toda é sobre como a motivação, os discursos motivacionais, de positividade sem fim, tem nos transformado, enquanto sociedade. E paro por aqui com os títulos de dissertação de sociologia, enquanto frase. Basicamente, a positividade de “o importante é competir” está deixando todo mundo mais cansado, porque sem ter a intenção de ganhar de outros, senão de si próprio, estamos todos, e qualquer um, nos cansando. Nessa autocompetição, se ganhar ou perder, vai perder. Por outro lado, a negatividade oposta de “se não for pra ganhar, nem larga” só cansa quem deve, e deixa no sofá quem é de estar. Ou seja, a tese é que estamos cansados e perdendo, sistematicamente. E não achei nenhuma página de como planejar essa temporada.

Não sei se concordo, mas discordar dá trabalho. Sei é que desde sempre pedalo pelo desperdício. Horas de pedal inúteis, que caberiam numa sessão de rolo planilhada de um podcast. Pedalando, nunca fui econômico, eficiente, muito menos performático. Sempre gastei muito, por muito pouco. Um anti-roi proposital, planejado ao contrário, deixando acontecer convicto, com a disciplina de um hippie, com a devoção de um Caymmi e o com comprometimento de um carioca.

Não se fica rápido sem esforço, muito menos só com vontade. É preciso dedicação, toda aquela que nunca tive; é preciso objetivo, que, qual fosse, sempre objetei; e fé, que não acredito.

A positividade do “poder” é mais eficiente que a negatividade do “dever”. A contemporaneidade dessa ideia na paroxadalidade dos selfies entextados com “tá pago”. Enquanto o que se mostra nesses selfies é o poderio positivo do fiz-porque-quis, só se conseguem expressar com a dívida, negativa, quitada. Então, mesmo que se viva o gozo da conquista vazia, ainda se comemora como um prazer da disciplina.

Agora, já cansado, vou ao próximo livro do Han: Sociedade da transparência. Deve ser sobre o Strava.

Foto por NeONBRAND on Unsplash


Kleto Zan é engenheiro de software, ciclista e detesta fotografia, mas escreve como ninguém.

Instagram