No último dia do último ano, fiz o pedal mais longo do ano sem fim. Fomos Danilo e eu até a Barra de Guaratiba. Largada Olímpica, em Copacabana.

A rota, planejada dias antes era o circuito olímpico light, sem as 4 voltas de glúten de Grumari, nem as três voltas de lactose de Canoas. A dieta que vivemos no ano calórico do corona pedia uma virada sem exageros. Uma volta magra já seria ouro.

Antes da subidinha da Niemeyer, Danilo já estava ofegante enquanto eu ainda reclamava do horário que saímos:

— Oito da manhã no Rio já é hora de estar em casa de volta, não de sair. — eu resmungava.

— Quente… — encurtava o Danilo ofegante, constatando, numa palavra, o erro.

Ou seja, o ranzinza e o cansado, em vez de dominó na praça se acharam atletas. Como o sol não ia diminuir e o esforço só ia aumentar, o dia prometia ser um ano.

No mês, Danilo tinha feito 4 ou 5 pedais do que ele gosta de chamar de longão. Naquele tipo de treinamento de base, num mês nada, no outro só pedal de 100 quilômetros. É esse tipo de regularidade, progressão e adaptação que forma o verdadeiro atleta, forjado na fé.

E eu tinha só corrido, com o pé. Pedalando aqui e ali, mas só para não enferrujar a corrente, sem precisar, porém, trocá-la.

No fim da Niemeyer, a situação estava às claras: um ova que vamos fazer esse olímpico! Antes do Joá: — O que acha da gente só ir até a Barra e voltar? —especulou o Danilo, certo do risco zero. Claro!

Fotos: Junior Simões

Sem o Garmin, não sabia a velocidade. Mas o bafo quente do mormaço também serve de odômetro e sabia que não estava nem a 30 km/h. Pedalando tranquilo, só curtindo o calorzinho do inferno, puxando a dupla na orla da Barra. Olho para trás, tá lá o Danilo no vácuo. Mais um pouco cozinhando no vapor, olho pra trás, e ele segue firme. Mais um minutinho, olho pra trás, cadê? Evaporou! Está tão longe, tão longe, que parece uma miragem no asfalto quente.

E assim fomos e voltamos. Pulamos a Prainha e seus cabritos e seguimos até Guaratiba. Para ele me alcançar a cada evaporada, eu fiquei testando um moto perpétuo: você para de pedalar, levanta no pedal, joga bicicleta pra frente e o corpo pra trás, depois puxa o corpo em direção ao guidão, e repete. Devagar e divertido, como era pra ser.

E quando o Danilo reagrupava, a primeira coisa: — Estou na base.

Base é aquele período no treinamento clássico onde se pedala muito mas sem muita correria, só girando. Depois da base vem a construção, quando aumenta a intensidade de alguns treinos. Os profissionais, por exemplo, costumam fazer a base nessa época do ano, para preparar o coração para as competições. Base, acima de onde alguma é construída.

Mas se não vai construir nada, base de quê?! Eu, do corona pra frente, só pedalo base. Base de base, porque o resto do ano vou continuar construindo base.

PS: Se pareceu que esse seria meu primeiro e último pedal com Danilo é só porque fiz causo. Bons pedais em ótima companhia: Granfondo do Danilo, Pão com linguiça e Danilo levou Conservatória.


Kleto Zan é engenheiro de software, ciclista e detesta fotografia, mas escreve como ninguém.

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