Não é novidade que o acesso e a garantia de direitos básicos são negados ou ressignificados aos moradores de favelas. As favelas têm um papel importantíssimo no tecido urbano das grandes cidades brasileiras, pois são a principal alternativa de moradia para parcelas significativas da população excluída do mercado formal da habitação.

É preciso estar próximo da cidade durante décadas, a principal abordagem do poder público em relação às favelas foi de eliminá-las. A primeira grande intervenção urbanística no Rio de Janeiro no começo do século 20 resultou na remoção dos cortiços existentes no Centro, com a justificativa oficial de se lidar com a cidade insalubre. A proibição dos cortiços e a ausência de alternativas de moradia popular gerou uma pressão para a população “subir o morro”, pois precisavam se manter próximos ao Centro da Cidade. Assim surgiram as primeiras favelas no Rio.

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A tentativa de expulsar a comunidade de baixa renda do Centro e dos bairros da Zona Sul continuou nas décadas seguintes. Nos anos 60, 175.000 residentes foram removidos de favelas em áreas centrais. No entanto, os reassentamentos estavam, em sua maioria, na periferia, desarticulados da cidade, distantes das fontes de trabalho. Quarenta mil casas foram construídas para receber 30% da população das favelas cariocas—um esforço em vão. Entre 1970-74, o número de favelas nas áreas centrais praticamente dobrou, de 162 para 283 .

Este breve apanhado histórico nos lembra que as favelas nascem como estratégias de mobilidade urbana: é preciso estar próximo ao trabalho, ao estudo, próximo à cidade. Proximidade não garante acesso pleno, sabemos disso, mas é um importante caminho. É importante salientar que, apesar da localização, o mundo urbano carioca, em geral, se revela pouco acessível aos seus residentes. Acima de tudo, é notório que as condições atuais de transporte público e trânsito não estimulam a circulação pela cidade, no geral.

Entre as pessoas de baixa renda, de áreas mais populosas, o uso da bicicleta é mais intenso, e existe uma maior dependência desse meio ativo de transporte, mas em contrapartida são locais onde existe menos oferta das faixas e vias.

Para aqueles que circulação em espaços favelados percebe que a circulação dos moradores revela que há um forte número de viagens que se concentram no interior das favelas. Mas por outro lado, e como não poderia deixar de ser, há uma forte ligação da favela com o centro da cidade; ligação está realizada em sistemas de transporte com baixa qualidade. E, apesar da vida de proximidade, é interessante notar que a política pública ainda não atentou para os meios não motorizados de deslocamento, a pé e por bicicleta, notadamente. 

Fica evidente que essa infraestrutura está muito mais concentrada nos bairros de classe média e classe alta. Além dos benefícios para saúde pública e sustentabilidade da cidade, uma grande vantagem da implementação de infraestrutura para ciclista em regiões de baixa renda seria tornar essa modalidade mais inclusiva, já que possivelmente existe uma demanda reprimida de pessoas que não se locomovem de bicicleta por medo de se acidentar e de pessoas que deixam de sair de casa por não terem dinheiro para pagar o transporte público.

Ao caminhar pelos territórios favelados, pode-se notar que são poucas as regiões onde não é possível construir ciclovia e ciclofaixa, mas um projeto desse exige estudos técnicos no local, tendo em vista que em alguns trechos dentro da comunidade, a rua tende a ser estreita, as casas muito próximas, e morros com muita inclinação onde uma faixa ou via para bike poderia produzir acidentes de pedestres e ciclistas. Entretanto para as grandes e principais ruas e avenidas nada justificaria essa não implementação.

Portanto, é importante a pressão aos órgãos públicos, talvez seja o caminho mais efetivo e legítimo democraticamente para a transformação da cidade e melhoria desse tipo de acesso, de a população se apoderar do seu direito à cidade, de fazer a gestão dos seus bairros e de cobrar dos seus representantes, que essas infraestruturas sejam construídas e encaradas como políticas que devem estar no planejamento da cidade independente do governo.


Adriano Mendes é cria da Maré, Gestor Público e Mestrando em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ. É Educador Popular e Pesquisador de Cidades Inteligentes.

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