El Dorado. Uma antiga lenda indígena que contava de uma cidade feita completamente de ouro maciço e levou aventureiros europeus e nativos a atravessarem a América do Sul e Central em busca do ouro e da glória por séculos. Um sonho dourado compartilhado por milhares. Milhões.

Peço perdão pelo clichê, mas é irresistível. Como não dizer que Carapaz e todo o Equador buscavam esse sonho dourado? Desde a vitória no Giro 2019, Richard estreou na Ineos e no Tour 2020, com o abandono de Egan Bernal, virou-se a caçar etapas. Coisa que abriu mão ao chegar junto com o colega Kwiatkowski. Em seu primeiro Tour, Carapaz teve a grandeza de não disputar com o colega a vitória em uma etapa e permitir que o polonês, fiel gregário da Sky na era Froome, vencesse pela primeira vez naquela corrida. Na Vuelta daquele mesmo ano, uma batalha feroz com Roglic (Jumbo-Visma) pela camisa vermelha.

Apesar de mais de 6 vezes estar no top 3, Richie terminou em 2° na Classificação geral e sem nenhuma vitória de etapa. Um bom resultado, mas feito de prata. Não era o ouro.

No Tour 2021, após os tombos de colegas e vários ataques frustrados, viu Tadej Pogačar levar 3 etapas e ser uma fortaleza imbatível. Saiu sem uma vitória em etapa sequer. Ainda viu a surpresa Vingegaard assumir o vice-campeonato. Nem sequer a prata veio, na França. Desta vez teve que contentar-se com o terceiro lugar. Um bronze.

Quis o destino que uma semana após deixar Paris, o equatoriano da Ineos encontrasse seu El Dorado particular nos jogos olímpicos do Japão, ao pé do monte Fuji.

234 quilômetros e mais de 4 mil metros de ascensão eram o caminho até o pódio olímpico. Um pelotão reduzido (cerca de 130 atletas) e calor extremo aumentaram as dificuldades. A prova começou às 23h de Brasília e logo formou-se uma fuga. Juraj Sagan (Eslováquia) estava entre o pequeno grupo de escapados. Sagan na fuga em dia com montanhas? Lembrou até uma outra competição..

A Bélgica, como era de se esperar, tomou a frente do pelotão de início. Trabalhando para Wout Van Aert e Remco Evenepoel, o campeão da Rio 2016 puxava o pelotão : Greg Van Avermaet. A vantagem da fuga começou a lentamente ser reduzida. A Eslovênia também começou a trabalhar. Com Primoz Roglic e Pogačar como favoritos, a seleção do campeão do Tour colocou Jan Tratnik para revezar na frente.

O trabalho de Avermaet e Tratnik foi surpreendente e, pouco a pouco, o pelotão reduzia a distância para a frente da prova. Tao Geoghegan Hart e Geraint Thomas (ambos Grã-Bretanha) se envolveram em um acidente e Thomas acabou abandonando a prova.

O pelotão passou pela linha de chegada no autódromo de Fuji pela primeira vez e a Itália surgia na frente do grupo. A próxima escalada era o Mikuni Pass e havia boas chances de a prova ser decidida lá.

Alguns ciclistas atacaram antes da subida como Vansevenant (Bélgica), Caruso (Itália), Remco Evenepoel e Kelderman (Holanda). Mas ao chegar na montanha mais dura e decisiva do dia,o pelotão estava reunido. O Mikuni Pass foi duro como prometido e as vítimas ficavam aos montes pela estrada. Grandes nomes como Nibali (Itália), Quintana (Colômbia), Alejandro Valverde (Espanha), Evenepoel e Primoz Roglic (Eslovenia) foram alguns deles.

Pelotão reduzido a pouco mais de 20 ciclistas e Tadej Pogačar atacou. Wout Van Aert imediatamente perseguiu, pois sabia que não podiam deixar o bicampeão do Tour de France escapar.

O grupo quebrava-se e voltava a reunir. Os favoritos atacavam e Van Aert buscava. O Belga era um dos favoritos e foi marcado por vários rivais, tendo que perseguir sozinho cada vez que um deles atacava. Em determinado momento, colegas de times chegaram a se reunir como Pogačar e Mcnulty (EUA) ambos ciclistas da UAE, assim como Kwiatkowski (Polonia) e Carapaz (Equador), ciclistas da Ineos. Apesar de a Olimpíada ser disputada por seleções, os ciclistas correm a maior parte do tempo com suas equipes e, por amizade, inevitavelmente acabam se ajudando neste tipo de prova.

O topo do Mikuni Pass foi alcançado. Restava apenas mais uma pequena subida, depois uma descida e um semi-plano até a chegada. Foi quando Brandon Mcnulty atacou e Richard Carapaz seguiu. Michael Woods (Canadá) tentou segui-los enquanto os outros se olhavam e marcavam Van Aert.

O grupo então tinha poucos ciclistas, entre eles: Aert, Pogačar, Rigoberto Uran (Colombia), Alberto Bettiol (Italia) , Bauke Mollema (Holanda), Schachmann (Alemanha), Adam Yates (Grã-Bretanha) e David Gaudu(França).

Na descida, enquanto os dois líderes abriam vantagem (chegando a 45s) os perseguidores não se entendiam e ninguém tomava a ponta. Wout fez o que pôde e tomou a frente, reduzindo a vantagem a dez segundos. Bettiol sofreu cãibras e abandonou a perseguição. O grupo então começou a tentar alcançar a ponta da prova, mas Van Aert defendia-se e controlava os ataques. Na frente, Carapaz atacou a 5 quilômetros da meta e McNulty não tinha mais potência pra seguir. O equatoriano então entrou no circuito de Fuji e começou a entender o que tinha acabado de realizar. Começou a dar conta que era o medalhista de ouro. O segundo da história de seu País. E sorria.

O único medalhista de ouro da história da América do Sul no ciclismo.

Um título histórico que o coloca entre não apenas um dos maiores ciclistas da história da América do Sul mas como um dos maiores atletas de todos os tempos nascidos aqui neste continente.

No grupo seguinte, Wout Van Aert bateu a chegada pra conquistar a prata, uma prova de que era o mais forte do dia, mas não teve a capacidade tática de marcar o movimento vencedor. Tadej Pogačar fechou o pódio e levou o bronze, tornando-se o único campeão de grande volta a ganhar uma medalha olímpica na mesma temporada. Um pódio de peso para um evento histórico.

E foi apenas o primeiro dia de ciclismo nos jogos de Tóquio. Amanhã tem mais, com a prova feminina de estrada!

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