Antes de começar a trazer o assunto central desse artigo, eu quero começar contextualizando. Primeiro, a minha trajetória e olhar parte das favelas cariocas e principalmente do Complexo de Favelas da Maré. Um bairro onde sou cria e morador e de onde escrevo com base nos meus estudos, acúmulos e vivências sobre mobilidade urbana.
Andar de bike faz parte da vida e do cotidiano dos moradores do Complexo da Maré, que principalmente se deslocam internamente e externamente pelos bairros vizinhos, como Bonsucesso. A magrela é um dos principais meios de mobilidade por aqui, que divide as ruas com as motos e carros e por isso, há anos que se espera propostas de ciclovias para dentro do bairro.
O Complexo da Maré é um Complexo muito singular na cidade do Rio de Janeiro. Digo isso porque somos a favela com o maior número de moradores universitários (universidades federais, estaduais e privadas). Reflexo de um trabalho de mais de 20 anos de duas instituições comunitárias: o “Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM” e a “Redes e Desenvolvimento da Maré”, com a construção de pré-vestibulares. Também somos um bairro formado por 16 favelas, composto por 3 facções criminosas e cercado pelas 3 vias principais da cidade: a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a Linha Amarela. Além disso, somos a favela que faria parte do programa Rio Capital da Bicicleta que foi lançado em 1992, logo após a Rio 92, a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente. Durante a conferência, foi discutida a importância do desenvolvimento sustentável e traçadas políticas ambientais para a cidade.
Em 2014, durante o “Maré que Queremos”, fórum permanente que existe desde 2009 e reúne as associações de moradores e a Redes de Desenvolvimento da Maré, a Prefeitura garantiu a implantação de uma ciclovia de 22km com faixa compartilhada. Essa é uma das obras divulgadas em meio a um conjunto de promessas pré-olímpicas. Os moradores lembram: as obras começaram em março de 2015. Com o orçamento inicial de R$ 7 milhões, o objetivo era integrar todas as comunidades da Maré às estações do BRT até o Centro da cidade e também ao Alemão, Fundão e Bonsucesso. A princípio, a ideia era de implantar alternativas de mobilidade urbana em territórios com grande circulação de pessoas, que consequentemente, geraria mais qualidade de vida e diminuição da emissão de CO2. Contudo, quando o trabalho não é concluído e os moradores não recebem nenhum retorno ou satisfação a respeito, a divulgação de que o Rio é hoje, a Capital da Bicicleta, com quase 440 km de ciclovias, não significa muita coisa.
Os 10 meses de duração da obra (entre março de 2015 e janeiro de 2016) foram então caracterizados por uma série de entraves. A nova Administração Regional excluíu a sociedade civil organizada do processo. A partir daí o projeto original foi desfeito, os caminhos alterados e as obras dificultadas por desmandos dos grupos civis armados que regulam o Complexo.
Nos territórios comandados pelo Terceiro Comando Puro, por exemplo, as faixas não puderam ser pintadas de vermelho, cor que faz referência ao Comando Vermelho.
O projeto que deveria integrar as 16 favelas do Complexo ao resto da cidade, acaba se resumindo apenas ao próprio território e de forma precária, já que a circulação dos moradores dentro do bairro também não melhorou. O Complexo da Maré, principalmente nas áreas de intenso comércio e fluxo de pessoas, tem um trânsito com dinâmica própria que não obedece às normas tradicionais. As ruas são ocupadas simultaneamente por comércios, carros, motos, bicicletas, pedestres e skates, muitas vezes sem vias, mãos determinadas ou algum tipo de sinalização.
Segundo a 1ª Amostra Sobre Mobilidade na Maré, realizada ainda em 2014 pela Redes da Maré, Observatório de Favelas e CEIIA (Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel), um a cada quatro moradores teria interesse em usar bicicleta caso as condições objetivas fossem favoráveis, em particular porque seria mais ágil, rápido, saudável e econômico. A pesquisa demonstra que o potencial de uso da bicicleta poderia ser ainda maior caso o poder público tivesse realmente uma política ousada de construção de ciclovias nas comunidades.
Adriano Mendes é cria da Maré, Gestor Público e Mestrando em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ. É Educador Popular e Pesquisador de Cidades Inteligentes