Desclipei correndo e antes de pensar agarrei a corrente com vontade, guiando-a até os dentes da coroa e rodando a pedivela. Não adiantou. Estava travada num lugar esquisito, por fora, entre a coroa maior e o braço da pedivela, presa por um pino que parecia ser uma proteção para a corrente nunca ter entrado justamente ali. Pino inútil.
Agachado de cócoras, desequilibrado por causa do clipe liso da sapatilha, ensaiando uma câimbra na panturrilha, olhei com mais calma para aquele mecanismo perfeito, agora todo quebrado, e só consegui perceber a graxa. Minha mão toda melecada, dedos, palma, dorso. Embaixo das unhas. Tudo sujo, gosmento. Graxa com suor, e ódio!
Se tem uma coisa que não gosto quando pedalo é da bicicleta. O objeto, a máquina em si. Toda torta e suja, engraxada, assimétrica. Mas não tem como andar de bicicleta sem ela, então eu aturo. Mas cada vez que cai a corrente minha tolerância com essa coisa é testada. Hoje não passou. Tentei tirar a corrente do cantinho onde se meteu, se escondendo atrás do pino que me parecia ser um bloqueio para evitar que, justamente, a corrente entrasse ali, o qual, obviamente, não funcionou. Pino inútil. Tentei com jeito, negociando sem violência: vem aqui, vem. Corrente, pino, coroa e pedivela, nada, me ignoraram. Ignoraram.
Enquanto isso, enquanto sujava as mãos e gastava minha lábia e carinho com a corrente, o pelotão ia embora. Ela ali, emperrada atrás pino, e eu lá, empenando atrás do povo. Deu para mim. Chega de ser jeitoso com ferro, aço, alumínio, carbono, seja o que for. Essa máquina dos infernos! Engatei a corrente na coroa e pau! Forcei o pedal: ou vai ou racha. A corrente encaixou, a roda rodou e o pino quebrou. Minha mão de graxa e minha cara de tacho.
Não sei bem para que serve, ou servia, esse pino. Peguei, analisei, olhei a coroa, rodei o pedal de novo… tudo funcionando. Dei uma última olhada no pininho. Pra quê?! Joguei por cima do ombro e fui embora. Pino inútil.
Bicicleta, a máquina perfeita, dizem. A minha tinha um pino a mais, mas agora está perfeita!
Fotos por Alistair MacRobert, Chris Becker e Patrick Hendry on Unsplash
Kleto Zan é engenheiro de software no Zwift, ciclista e detesta fotografia, mas escreve como ninguém.