Reta final de Dezembro e chegou aquele momento de fazer um balanço do ano. Entre a ceia de Natal, família e presentes, vamos relembrar os principais momentos do Ciclismo Feminino em 2021.

1. Strade Bianche

Abrindo a temporada, tivemos Chantal van der Broek-Blaak (SD Workx) batendo Elisa Longo Borghini (Trek-Segafredo) na subida final da Via Santa Caterina e chegando em primeiro lugar na icônica Piazza del Campo, em Siena.

Foi uma demonstração de força e superioridade da SD Workx, que contava com 4 das 11 atletas que faziam parte de um grupo seleto. Chantal atacou e Elisa foi junto. No entanto, a Holandesa jogou as cartas que tinha a seu favor e deixou Elisa fazer a maior parte do trabalho nos quilômetros que antecediam a chegada em Siena.

2. Ronde van Vlaanderen

Depois de bater muitas vezes na trave, a multi-campeã Annemiek van Vleuten (Movistar) ganhou a sua 2ª Tour de Flanders.

A Holandesa lançou seu ataque na parte mais íngreme do Paterberg e nunca mais foi alcançada por suas rivais. Annemiek realizou duas proezas neste dia. A primeira, vencer pela 2ª vez o Tour de Flanders (só outras 2 mulheres alcançaram o mesmo feito), sendo que neste caso, houve um intervalo de mais de 10 anos entre as duas vitórias. O segundo feito impressionante, foi ter levado a Movistar ao lugar mais alto do pódio nesta prova clássica.

3. La Flèche Wallonne

Se quem ganha 3 vezes, pede música. Quem ganha 4 vezes, leva a escritura do terreno, como diz meu colega colunista do BikeBlz, Allan Almeida. O que dizer de quem ganha 7 vezes seguidas a mesma prova?

Pois foi este o feito da Holandesa Anna van der Breggen (SD Workx). Desde 2015, nenhuma outra mulher ocupou o lugar mais alto do pódio na Flèche Wallone.

Apesar de todo sucesso prévio, este ano a tarefa não foi fácil. Anna contou com a ajuda de sua companheira de equipe Demi Vollering (SD Workx), que trabalhou duro para buscar Ruth Winder (Trek-Segrafredo), que estava escapada. O pelotão alcançou Ruth no início do Mur de Huy. Daí para frente, foi uma batalha feroz com Kasia Niewiadoma (Canyon–SRAM) até a linha de chegada, mas Anna levou a melhor.

4. Vuelta a Burgos Feminina – Etapa 3  

Quem não ficou feliz com a primeira vitória de Cecilie Uttrup Ludwig (FDJ Nouvelle-Aquitaine Futuroscope) no Women’s World Tour, bom sujeito não é.

Depois de passar perto em outras oportunidades, a Dinamarquesa queridinha do pelotão não deixou para ninguém, bateu o martelo e BAM! Levou de forma convincente a vitória no sprint morro acima, batendo nomes como Kasia Niewiedoma, Anna van der Breggen e Elisa Longo Borghini.

5. Tour de Suisse Women – Etapa 1

Quem não adora quando um ciclista teoricamente mais fraco vence o mais forte? Desde os tempos bíblicos, vibramos quando o azarão leva a melhor.

Foi o que aconteceu na 1ª etapa do Tour da de Suisse deste ano. A 200m da final, tudo parecia favorecer a britânica Lizzie Deignan (Trek-Segafredo), que já levou a melhor em incontáveis sprints. Porém, a suíça Elise Chabbey (Canyon–SRAM) fez uma manobra muito inteligente e lançou um ataque falso, que obrigou Lizzie a iniciar seu sprint antes do tempo.

Com isso, Elise Chabbey pulou na roda da rival e aguardou o momento preciso de começar seu sprint, cruzando a linha de chegada em primeiro.

6. La Course by Le Tour

Este ano foi a 8ª e última edição da La Course by Le Tour. No entanto, ninguém ficou triste por isso no pelotão feminino. Pelo contrário, a notícia foi comemorada. O final da La Course significa que em 2022, ao invés de uma prova de um único dia, teremos pela primeira vez um Tour de France Femmes, com 8 etapas.

Voltemos à prova. Diversos grupos tentaram escapar sem grande sucesso ao longo do percurso de 107 km na Bretanha. Com cerca de uma volta faltando no circuito de chegada, um grupo seleto abriu um pequeno gap em relação grupo perseguidor. Kasia Niewiedoma tentou um ataque na última subida há cerca de 2 km, mas foi neutralizada pela perseguição de Anna van der Breggen.

A Holandesa liderou o pelotão nos últimos quilômetros, impondo um ritmo forte e evitando novos ataques, retribuindo, dessa forma, o favor a sua colega de equipe Demi Vollering, que trabalhou por Anna na Flèche Wallone.

Nos metros finais, Marianne Vos (Jumbo-Visma) abre o sprint, mas é ultrapassada antes da linha por Demi Vollering.

7. Jogos Olímpicos de Tóquio – Prova de Estrada Feminina

A pergunta que todos se faziam antes da prova era: qual a Holandesa vai ganhar o ouro? A seleção da Holanda contava com um “dream team” composto por 3 ex-campeãs do mundo e uma terceira que, ao que tudo indica, vai ganhar seu arco-íris nos próximos anos.

No entanto, uma única mulher, que sequer fazia parte de uma equipe profissional e representava sozinha seu País, estragou a festa da maior superpotência do ciclismo feminino.

A Austríaca Anna Kiesenhofer, que é professora universitária de Matemática, atacou de bandeira junto com outras atletas. Enquanto o pelotão dormia e não conseguia decidir quem devia buscar a fuga, Kiesenhofer, junto com suas companheiras de fuga Anna Plichta (Polônia) e Omer Shapira (Israel) abriam 10 minutos de vantagem.

O momento decisivo veio no Passo Kagosaka, quando Kiesenhoffer atacou deixando para trás suas companheiras de fuga. No autódromo de Fuji, o pelotão finalmente acelerou e o cansaço acumulado começou a pesar nas atletas que haviam escapado. O esforço do pelotão foi suficiente para alcançar Plichta e Shapira, mas Kiesenhofer seguiu sozinha para ganhar o ouro olímpico.

8. Grand Prix de Plouay

Todos ficam felizes quando Elisa Longo Borghini ganha. A italiana é uma unanimidade no pelotão. Reconhecida por seu trabalho duro, sacrificando-se muitas vezes em prol de companheiras de equipe, Elisa também é famosa por chegar perto da vitória, mas perder para concorrentes mais explosivas.

No GP de Plouay, a Italiana nos deu uma masterclass de como ganhar provas sem ser explosiva. O segredo é atacar, atacar e atacar. Foi isso o que Elisa fez. Atacou uma, atacou duas, atacou três vezes, até que deu certo.

Quando é mais suado, é mais gostoso. Ainda mais quando tem dancinha na chegada.

9. Mundial de Estrada Feminino Flandres 2021

A 100ª edição do Campeonato Mundial em Flandres, terra aonde vivem o maior número de fanáticos per capita do ciclismo, foi uma verdadeira festa.

Desta vez, a Seleção Holandesa não pode ser acusada de inércia. As Holandesas atacaram diversas vezes e marcaram todas as fugas. Foram múltiplos ataques durante todo circuito de Flanders e outros ainda no circuito final em Leuven.

Talvez o pecado original da Holanda tenha sido não ter um plano único e apostar que fazer a corrida se tornar difícil com ataques reverteria em vitória a seu favor. Não era um plano ruim. Funcionou nos quatro mundiais anteriores.

Porém, a equipe da Itália tinha um plano único e o executou com maestria. As italianas se esconderam e se pouparam durante toda a prova, para nos últimos metros executarem o “lead-out” perfeito para Elisa Bálsamo (Itália).

Marianne Vos (Holanda) ainda tentou colocar de lado para bater a italiana, mas faltou punch.

10.  Ceratizit Challenge by La Vuelta – Etapa 1

O ano de 2021 foi uma temporada decisiva para Marlen Reusser (Alé BTC Ljubljana) se impor como uma grande força do Ciclismo Feminino.

A suíça, natural do cantão de Berna, tal qual outro Suíço famoso no ciclismo, destacou-se principalmente no contra-relógio. Foi medalha de prata na Olimpíadas de Tóquio 2020, ganhou o Europeu e foi 2ª no Mundial de Contrarrelógio.

Porém, o que mais me impressionou foi a vitória na 1ª etapa da Ceratizit Challenge. A Suíça juntou-se a um ataque na primeira montanha do dia. O grupo composto por atletas fortes, tais como Coryn Labecki (Team DSM), Elise Chabbey e Pauliena Rooijakkers (Liv Racing), abriu uma vantagem de cerca de 2 minutos do pelotão.

Faltando 5 km para a chegada, Chabbey tentou atacar duas vezes e foi neutralizada por Reusser, que no segunda vez simplesmente seguiu pedalando forte, distanciando as demais. A partir daí, foi entrar em modo de contra-relógio e seguir até a linha de chegada.

11. Paris-Roubaix Femme

Esperamos 125 anos para ter uma Paris-Roubaix Feminina e a prova deste ano entregou absolutamente tudo o que esperávamos.

Foi lindo, foi épico, foi emocionante. Até os deuses do ciclismo contribuíram com chuva e barro para aumentar o drama. Houve furos, quedas, mãos em carne viva e ossos quebrados. O Inferno do Norte também cobrou seu tributo do pelotão feminino.

Lizzie Deignan atacou no primeiro setor de pavé e ninguém nunca mais a alcançou. Marianne Vos bem que tentou tirar a diferença nos últimos quilômetros, mas era tarde demais.

Talvez a prova pudesse ter sido um pouco mais disputada, porém acho que seria demais para meu pobre coração. Quando Deignan entrou no velódromo de Roubaix, eu estava chorando.

As palavras da vencedora explicam melhor o meu sentimento:

Eu corri hoje com o poder de gerações de mulheres que não tiveram a oportunidade de disputar este monumento e com a minha filha no coração, torcendo para que ela nunca tenha que enfrentar estas barreiras”

Lizzie Deignan

https://twitter.com/Paris_Roubaix/status/1444357488812376070

Foto de capa: Facebook SDWorkx


Adriana Nogueira é médica infectologista, apaixonada por ciclismo e dizia que só conseguia escrever em threads do Twitter.

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