Uma volta plana, um triângulo de 5 km, com a hipotenusa na pista local de uma expressa, um dos lados numa rua rápida e larga de pouco movimento e o outro no meio das casas do bairro.

É um dos pontos de encontro das bicicletas em Buenos Aires. De uma variedade que não se vê no Aterro. Tem carbono, alforje, suspensão, garupa, cestinha, aero-bar e sem freio. Muitas rodas, em todas velocidades. Sem contar as pequenas, dos rollers, e as que não existem, dos corredores. Além do esforço, é um lugar bom para treinar a atenção. Eu me distraí na entrada da curva, olhei pra baixo sem ar, e de repente um tênis na minha frente. Se não fosse o freio, que eu gosto cada mais depois das pedaladas de fixa, tinha atropelado o corredor.

Mas como é plano, dá pra correr. Do meio pro fim da hipotenusa, depois do quebra-mola novo, tem uma subida. Jeito de dizer, pra uma cidade tão plana. Não são nem cinco metros de elevação em 350 m, uma inclinação de 0,14%. Garmin nem marca. Mas foi ali que ataquei. Em todas as voltas.


Ficava no vácuo a volta inteira e acelerava na subidinha. Depois, esperava para ir de roda. Se adicionar uma pitada de sal, é a receita para não fazer amigos e chatear pessoas. Na última volta, ou no que eu escolhi pra ser a última volta, eles não aguentaram mais e assim que acelerei vieram juntos. Nas outras, só ignoraram. E quando olhei pra trás pra esperar, estavam colados. Aí complicou. Porque além dessa, tem outra, antes da entrada da curva, ainda mais curta. Na planície dos pampas porém, isso é uma subida.

Nessa hora, a dúvida é nenhuma. Continuei. Forcei mais ainda na alça de saída da pista local, pulei o quebra-mola e continuei forçando. Desviando de todas as garupas e suspensões, chegamos nas faixas redutoras, que são pintadas em relevo, cada vez mais próximas. A velocidade faz barulho e dá pra ouvir o chiado das pernas. Na curva do ângulo reto to triângulo retângulo do Sarmiento, outra arrancada por dentro do bairro. Sinal furado e cruzamento ignorado. ¡Loco! ¡Loco! ¡Loco! O tango sobe, o drama aumenta e a “Balada para un Loco” do Piazzolla canta alto na voz do “El polaco”.

A vizinhança já não quer mais os ciclistas loucos ali. E na última volta, como um ciclista de cestinha, até entendi. Mas um triângulo tem sempre seus três lados.

Capa: Manuel Cortina / Unsplash 
Foto matéria: Kleto Zan


Kleto Zan é engenheiro de software, ciclista e detesta fotografia, mas escreve como ninguém.

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