Não gosto de figo. Mas continuo comprando. E comendo. A ideia de gostar de figo é mais forte que meu gosto. A imagem do sabor tão longe da aparência continua me confundindo. Se vejo um figo, é uma delícia. Quando como, não. O figo é minha bicicleta.

Da última vez que pedalei decidi que não gostava. Repeti pra mim que não precisava mais provar, que já tinha experimentado e não gostava. Fixei na cabeça, numa frase simples, que não era pra esquecer: nunca mais. Foi quase o mesmo que fiz da última vez que tentei figo, daquela vez desidratado, repetindo por quinze dias, a cada vez que dava uma mordidinha no figo desidratado: não gosto. Mas lembrei que aquela foi a penúltima vez, porque depois comprei de novo. E ainda não gostei.

Na última subida, na cuesta de Lipán, decidi que nunca mais ia pedalar. Mas foi a penúltima. No Acay já tinha esquecido e semana passada ou outra vi uma prova e pareceu boa, igual o figo que não gosto. E agora, achando que gosto de bicicleta, vou correr a Bikingman Brasil logo mais. Como o figo, a bandejinha embrulhada pareceu gostosa. Duvido que seja, mas como eu não gosto mesmo, não custa provar.

A prova começa em Taubaté, dá uma volta toda torta, passando por Sapucaí-Mirim, Bragança Paulista, Igaratá, Santa Isabel e Mogi das Cruzes. De lá, Salesópolis e Ubatuba. Continua, subindo de Paraty a Cunha pelos famosos tachões, uma versão gourmet de paralelepípedos. Daí, Areias e minha Queluz, a primeira que provei e não gostei. Depois do primeiro brevet lá, foram mais 4, cada um arrependido, esquecido e de novo. Mil quilômetros mais tarde, termina em Taubaté.

O Pico das Agulhas Negras, ou quase, é o próximo. Não sei como é, nem sei se quero saber. Todo mundo fala, sempre falou, eu não quis saber. Agora só vou conhecer, mas já sei que não vou gostar. Dizem que vai chover e Cacique Cobra Coral não pode ajudar.

Já arrumei tudo na minha cabeça, mas sem vontade de ensacar. A bicicleta ainda está na oficina e todo o resto para entregar no Mercado Livre. Não quero nem pegar na bolsa de selim toda molhada e a sapatilha encharcada a semana toda. O pneu fino atolado no barro e eu empurrando e repetindo para não esquecer: não gosto de figo.


Kleto Zan é engenheiro de software, ciclista e detesta fotografia, mas escreve como ninguém.

Instagram