Uma semana depois de terminar o Tour de France 2023, as saudades são algumas ou não se tratava da maior prova do ciclismo do mundo e segunda maior da Europa. Felizmente o Tour feminino tem colmatado com sucesso essa lacuna.
Mas voltando ao Tour masculino, foi um ano inesquecível, com muitos destaques desde a luta incessante entre um maneta e um pescador, até ao sprinter com cabelo cafeinado que venceu quatro etapas e transformou-se num idiota na estrada, passando pela despedida da maior lenda do ciclismo francês desde Thomas Voeckler.
Vamos ao que interessa.
Pescador
Jonas Vingegaard (Jumbo-Visma) avisou antes do Tour: “esta edição não ía ser decidida por segundos mas sim minutos”. Até ao contrarrelógio o equilíbrio era total, depois desse dia, a coisa ficou tão desequilibrada a seu favor, que perdeu metade da piada. Fez um contrarrelógio tão arrasador que pensou que os números do potenciómetro estavam errados durante o esforço individual. No Col de la Loze voltou a dar um autêntico banho em Pogacar (UAE), num dia negro para o Esloveno e sentenciou este Tour. Ganhou esta edição com quase 7 minutos e meio de vantagem.
E foi desta forma que o pescador pescou o seu segundo Tour. Entretanto anunciou que vai à Vuelta, onde reencontrará um velho amigo, Primoz Roglic (Jumbo-Visma). Se um deles vencer, as abelhas conseguem algo inédito, vencer as três grandes voltas no mesmo ano.
Jonas Vingegaard, o pescador. O vencedor do Tour de France 2023
Maneta
Tadej Pogacar fez um mau Tour? Nem de perto, foi segundo e venceu duas etapas. Mas o objetivo principal era ganhar o Tour e isso não foi conseguido. É certo que a preparação foi afetada pela lesão da Liège-Bastogne-Liège, mas ele próprio descartou que isso tenha feito grande diferença, afinal de contas a diferença final foram uns siderais 7 minutos. Neste momento Jonas Vinegaard é um ciclista superior em três semanas, mas se há alguém que pode competir com o Dinamarquês é o maneta, o problema é que poderá ter de abdicar de algumas coisas.
Tadej Pogacar, o maneta
Deixo um dado: Vingegaard tem 1,65 de altura e pesa 60 Kg, Pogacar tem 1,66 de altura e pesa 66 Kg. Como é óbvio estes valores variam, mas basta olhar para os dois para perceber que um é esquelético e outro tem mais massa. Se por um lado o adepto de ciclismo não quer que ele abdique das Clássicas, por outro, todos querem que Vingegaard tenha um adversário à altura no Tour e é nessa dicotomia que iremos viver nos próximos tempos.
Co-líder
Foi designado com pompa e circunstância pela equipa como o co-líder da UAE, ou seja, na hierarquia estaria ao lado de Pogacar, a estratégia era criar dúvidas nas abelhas, quando Adam Yates (UAE) atacar a Jumbo-Visma teria de responder e gastar balas. O problema é que arriscaria a dizer, até o pessoal em Marte percebeu a estratégia e no primeiro dia quando Adam Yates atacou e ganhou a etapa, ficamos todos a perceber que o foco das abelhas era só um: Tadej Pogacar.
É verdade que a estratégia não teve resultados práticos na luta pela vitória da Geral, mas deu para colocar Adam Yates no pódio, um resultado muito importante para ele. O Britânico ainda se fez de gregário durante algumas etapas, no total foram 6 Km e 347 m de cara no vento a trabalhar e no Col de la Loze teve liberdade para fazer a sua corrida perante a hecatombe do outro líder da UAE.
Adam Yates, o co-líder da UAE e 3º colocado no Tour de France 2023
Os humanos
O irmão do co-líder, Simon Yates (Jayco–AlUla) mais conhecido como o bipolar do pelotão foi um dos melhores humanos, finalmente mostrou algo que poucas vezes mostra, consistência. Ainda fraquejou em alguns dias, nomeadamente nas descidas, onde parecia o ‘prime‘ Ilnur Zakarin.
Carlitos Rodriguez (Ineos Grenadiers), uma das sensações da prova. A assinatura com a Movistar fez efeito. Unzué é um feiticeiro. Foi de longe o melhor da equipe com o maior orçamento do pelotão, o que diz muito do que se tornou a Ineos-Grenadiers, uma equipe incapaz de rivalizar com a Jumbo-Visma e a UAE na estrada e também fora dela.
Carlos Rodriguez
Pello Bilbao ou Peio Bilbao, alguém que saiba Basco que esclareça. Venceu uma etapa através da fuga, meteu-se no Top-10 e depois defendeu o lugar na Geral. Não há muito mais a dizer.
Jai Hindley (Bora-Hansgrohe) foi o primeiro homem da Geral a mostrar as garras, aproveitou uma fuga para ganhar a etapa e vestir de Amarelo, parecia no bom caminho. Mas depois aconteceu o óbvio, foi completamente passado a ferro pelo maneta e o pescador e ao longo dos dias foi caindo na Geral. O vencedor do Giro 2022 ficou a uns pornográficos 14 minutos e 44 segundos o que prova o que muitos dizem, Giro superior ao Tour, se dúvidas houvessem.
Jai Hindley vestiu a Camisa Amarela primeiro
Felix Gall (AG2R Citroën), o Landismo está pelas horas da morte e eis que surge um novo culto, o Gallismo e nada melhor que se apresentar ao mundo com um Top-10 na Grande Boucle e uma vitória de etapa. Começou como gregário do O’Connor e acabou a ser o líder, será Landismo? Não, é Gallismo.
Felix Gall venceu a etapa rainha do Tour 2023
David Gaudu, já diz aquele ditado, tanta dinamite para tão pouco rastilho. No caso do Gaudu, tanta propaganda para tão poucos resultados.
Guillaume Martin (ou como diz um famoso comentarista português, Colhão Martã), mais um Top-10 que ninguém irá se lembrar daqui há 10 anos. Parabéns para o Platão do pelotão.
Os heróis
Matej Mohoric (Bahrain -Victorious) é um dos heróis deste Tour, há dois anos venceu uma etapa e mandou calar, este ano venceu a etapa e foi para as entrevistas com um discurso melancólico. Saudade da versão mais agressiva do Matej.
Matej Mohoric chora após sua vitória no Tour 2023
Victor Campenaerts (Lotto–Dstny) é o ganda maluco deste Tour. Fez os ataques mais inacreditáveis, isso tudo só para ganhar o Prêmio da Combatividade. Querem ganhar a combatividade? Ataquem, ataquem e ataquem, nem que seja na zona neutralizada.
Giulio Ciccone (Lidl-Trek) venceu a classificação da montanha e pronto…foi isso.
Giulio Ciccone venceu a Camisa de Rei da Montanha
Neilson Powless (EF Education–EasyPost) perdeu a Classificação de Montanha e pronto…foi isso.
Ion Izagirre (Cofidis) mais um basco que brilhou a partir do momento que a prova saiu do País Basco.
Mads Pedersen (Lidl-Trek) foi um dos poucos a bater o Alpacino no sprint, um verdadeiro herói portanto.
Mads Pedersen
Jordi Meeus (Bora-Hansgrohe) mas que vitória deliciosa nos Campos Elísios, ainda por cima batendo o Disaster, só por isso foi um dos dias mais bonitos deste Tour.
Michael Woods (Israel–Premier Tech) um ciclista que basicamente passou 20 etapas a coçar os entrefolhos e a que não esteve a executar essa nobre atividade, venceu.
Woods venceu a Etapa no Puy de Dôme
Michal Kwiatkowski, não estava aposentado?
Wout Poels, também não estava aposentado? Wout Van Aert preferia que estivesse.
Wout Van Aert, o homem das fugas da Jumbo-Visma e o terror de Rafal Majka.
Wout van Aert, não venceu nenhuma etapa, mas ajudou como sempre e deixou o Tour para ver o nascimento do filho
Kasper Asgreen, mais um Dinamarquês. Já chateia.
Victor Lafay, o homem que no País Basco parecia um leão em cima da bicicleta e mal chegou a montanha a sério transformou-se num gatinho persa.
Victor Lafay
Alpacino
4 vitórias de etapas falam por si. O trabalho de equipe da Alpecin-Deceuninck foi perfeito. Quando não era Jasper Philipsen (Alpecin–Deceuninck) a empurrar os rivais para as barreiras, era o melhor da história a abrir à cotovelada o caminho para finalizar o seu sprinter. Nota 10! Christoph Roodhooft está orgulhoso, até porque as vitórias são a imagem perfeita da equipe e dele.
Alpecin-Deceuninck fez um belo Tour
O idiota
O idiota desta edição é claramente Jasper ‘Disaster’ Philipsen, que conseguiu um feito ao alcance de muito poucos. Depois de ser uma das figuras mais amadas da série da Netflix sobre a edição do ano passado, em poucos dias passou de um rapaz modesto, humilde e simpático para um tipo arrogante e petulante.
Os sprints mais ‘musculados’ ainda passaram, mas fazer bullying em plena etapa ao melhor estilo do Armstrong só porque um ciclista queria ir para a fuga, foi extremamente inteligente e ganhou muitos fãs. Não satisfeito, no dia seguinte quando estava em fuga, achou boa ideia exigir ao homem que mais trabalhou, que puxasse ainda mais porque queria apanhar o grupo da frente. E não, esse ciclista não era da sua equipe, era só Mads Pedersen.
Saiu deste Tour com a popularidade em alta.
Jasper Philipsen saiu do Tour com o apelido de ‘Disaster’
A última dança de Pinot
Não foi a despedida desejada para o ciclista Francês com mais carisma das últimas duas décadas, um verdadeiro ícone. O cansaço do Giro não ajudou, mesmo assim Pinot (Groupama-FDJ) tentou e não foram poucas vezes. A etapa nos Vosges e a curva Pinot no Petit Ballon são imagens marcantes deste Tour.
A última dança de Pinot
Fuga de la Fuga
Etapa 1: Não
Etapa 2: Não
Etapa 3: Não
Etapa 4: Não
Etapa 5: Sim
Etapa 6: Não
Etapa 7: Não
Etapa 8: Não
Etapa 9: Sim
Etapa 10: Sim
Etapa 11: Não
Etapa 12: Sim
Etapa 13: Sim
Etapa 14: Não
Etapa 15: Sim
Etapa 16: Crono
Etapa 17: Sim
Etapa 18: Sim
Etapa 19: Sim
Etapa 20: Não
Etapa 21: Não
9 Fugas em 20 etapas (crono não conta): 45% de sucesso (Giro teve 55,5 %). Nenhuma resultou em fuga bidone.
Avaliação final
Melhor etapa: 19
Melhor momento: A curva Pinot
Revelação: Felix Gall
Melhor equipe: Jumbo-Visma
Melhor gregário: São Kuss
Melhor sprinter: Jasper Philipsen
Melhor lançador de sprint: O melhor da história (Mathieu van der Poel)
Fiquem bem.
Au revoir.
Hastags da prova: #TDF2023, #BikeBlz
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